USP reforma seu conjunto residencial sem obras desde os anos 90

Mesmo com condições precárias de permanência, reparos atenderão apenas a um dos oito blocos do Crusp, como é conhecida a moradia estudantil da Universidade

por César Costa

O Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, o CRUSP, deve ser transformado nos próximos anos. Desde a década de 90, não há grandes reformas no ambiente destinado à moradia dos estudantes.

Com as obras iniciadas no final de agosto em um dos sete edifícios que fazem parte do projeto, a universidade começa a reparar apartamentos e estruturas em condições inadequadas, inseguras e de pouca acessibilidade. Junto disso, a gestão é alvo de críticas de estudantes quanto à falta de manutenção básica diária e da condução da retirada dos alunos, envolvendo até uma ação na justiça.

Atualmente, o CRUSP embarca oito blocos, representados pelas letras de A à G, além de mais um chamado A1 (este último construído em meados de 2010). Dois prédios são destinados a alunos da pós-graduação e seis para alunos da graduação. Em tempos normais, a capacidade total de 1 600 moradores é preenchida, além de hóspedes autorizados não contabilizados pela universidade. Na situação sanitária atual, praticamente dois terços dos moradores deixaram o local.

“Durante a pandemia, são 550 moradores que ainda estão vivendo no CRUSP espalhados por todo o conjunto, com o número crescendo levemente nos últimos meses”, diz Gerson Yukio Tomanari, superintendente da Superintendência de Assistência Social, o SAS. Ele explica que, além do apartamento, existem outros serviços para tornar possível a permanência de estudantes de baixa renda dentro da USP.

“Oferecemos marmitas (após o fechamento do restaurante universitário durante o período mais grave da pandemia) durante todos os dias da semana. Aos domingos, a janta vem como lanche durante o almoço por questões trabalhistas da empresa contratada, da qual os funcionários não operaram durante a noite nesse dia da semana”, conta Tomanari. Entre auxílios, além das refeições gratuitas, também há suporte para a aquisição de livros da graduação, transporte e bolsas de pesquisa.

Ao todo, um estudante pode receber até 1 200 reais de apoio, de acordo com a secretaria. No entanto, há um rankeamento socioeconômico para o recebimento desses subsídios, existindo prioridades de acordo com a avaliação do perfil por parte da SAS. Para os alunos que não conseguem vagas no alojamento, há um auxílio moradia de 500 reais, que é distribuído entre 12 000 uspianos atualmente. Os programas são renovados anualmente com cada beneficiário.

Como está sendo pensada a reforma?

A reforma atual no CRUSP será direcionada, primeiramente, ao Bloco D e em parte do eixo central, uma passarela coberta que alcança todos os prédios do conjunto e outras construções nas mesmas quadras. A licitação, lançada um pouco abaixo de 6 400 000 reais e concluída em 4 700 000 reais, servirá exclusivamente a essas obras. Futuramente, haverá outras para os demais prédios, resultando ao todo em um período de aproximadamente sete anos com o local em reestruturação.

Existem três objetivos principais determinados pela universidade: melhorar as condições gerais do espaço, resolver problemas de acessibilidade e adequar a segurança dos edifícios. O projeto das obras começou a ser idealizado em 2016 e foi posto em prática cinco anos depois com algumas adições ao plano original. 

“Será reformada a parte elétrica do bloco como um todo. Haverá uma melhora nas condições gerais dos apartamentos, um reposicionamento dos banheiros e readequação dos núcleos hidráulicos. Isso vale para todos os apartamentos e para todos os blocos. O que muda (de uma obra para outra) são nuances de variação em função do edifício”, explica Francisco Ferreira Cardoso, Superintendente da Superintendência do Espaço Físico.

Na parte do térreo, há a expectativa de recuperar os pilotis na forma como eram previstos no projeto original. “Na medida do possível, vamos desocupar esses espaços. Há mudanças nos térreos dos diversos blocos, e vamos agir de acordo com as características de cada um”, diz Cardoso.

 Da área externa, foi prometida a colocação de novos peitoris, um tratamento para as esquadrias e troca de vidros quebrados. “Haverá também as trocas da cobertura”, conta o superintendente da SEF, ressaltando o futuro do projeto em seguida. “E tudo vai se repetir em todos os outros blocos, com ajustes de cada um dos prédios. Será também instalado um telhado junto de um sistema de proteção de descargas atmosféricas”.  

 A reforma do Bloco D tem a previsão de término para o dia 10 de agosto de 2022. Os estudantes não podem morar mais no prédio até a conclusão das obras. Para mudança, foram oferecidas duas alternativas: uma realocação entre outros blocos do CRUSP ou receber o auxílio moradia de 500 reais. No prédio, são 111 moradores efetivos, sendo que deles 22 já encontraram outros apartamentos no conjunto e 27 escolheram o auxílio. Mais da metade ainda não se decidiu. Quanto ao processo de mudança, há reclamações tanto a condução dos alunos para outros lugares quanto a comunicação feita, especificamente da forma coletiva.

“É insano achar que os moradores lidam bem com essa situação. Você precisa enfrentar instabilidade, insegurança em relação as próximas pessoas que você vai morar. Não é algo tranquilo”, diz o estudante Diego dos Santos Moura Gonçalves, de 28 anos. Conhecido como Pi, cursa ciências sociais desde 2017 e mora no CRUSP desde 2018. Ele fazia parte da Associação dos Moradores do CRUSP, conhecida como AMORCRUSP, que não está ativa atualmente. 

Vindo de uma periferia um pouco afastada da cidade de Mogi das Cruzes, precisou se mudar para o conjunto residencial por questões econômicas. Segundo ele, não foi apresentado aos estudante o plano da reforma e não há uma comunicação unificada com eles. “Não existe esse plano aberto com a gente. Até agora, falaram que será modificada a parte hidráulica pela falta de água que teve no último verão. Mas não sei se vão mexer ao ponto de repararem as infiltrações ou replanejamento de outras coisas que não estão funcionando”.

As deficiências da moradia estudantil da USP

Pi comenta que entre os principais problemas estão a falta de transparência com os estudantes em relação à obra e também a manutenção dos edifícios. “Além da falta de diálogo, há um problema maior ainda de manutenção básica. Você não precisa de uma reforma para trocar as lâmpadas quebradas. Quando cheguei aqui, por exemplo, eram quatro máquinas funcionando na lavanderia e um secador para o CRUSP inteiro. Hoje, não funciona nada lá. E também não foram ouvidos os alunos durante esse processo, que poderiam apontar os problemas do lugar e algumas possibilidades para resolvê-los”.

Em visita aos apartamentos do conjunto, foi notado problemas estruturais internos e externos. Entre as escadas, vidros quebrados permitem que a chuva entre no espaço. As cozinhas coletivas estão sem gás nos fogões, que, em maior parte, estão desmontados ou quebrados. Faltam lâmpadas em alguns andares e também os elevadores destinados a cadeirantes não estão funcionando. Por fim, entre outros problemas como infiltrações em diversos apartamentos e paredes mofadas, a escada de emergência para incêndio do Bloco D termina no primeiro andar, em uma porta que não abre – e onde ficaria a mangueira é apenas um armário vazio, restando assim os extintores espalhados por alguns corredores.

O estudante fala também sobre problemas de saúde mental dentro do CRUSP e como as incertezas da mudança afetam os moradores. “Foi uma desorganização para avisar os moradores. Só avisaram efetivamente na última semana de aula, em julho, por e-mail. E praticamente não tivemos férias. A vida normal já não é fácil e tem toda essa pressão. Tudo isso se aglutina e fica mais difícil”. Na USP, as aulas do primeiro semestre foram encerradas dia 31 de julho e o segundo começou no dia 16 de agosto.

O universitário também comenta dos impasses de convivência, dificultando a mudança. Segundo Pi, existem casos de assédios mas que as resoluções precisam partir dos próprios moradores. “Isso é sabido (dos casos), mas não existe uma atitude da USP. E da parte das pessoas: você vai intervir em uma situação delicada, se colocar em risco e ter que lidar com despejar alguém. Não tem como os moradores lidarem com essa situação. Tem que ser a própria universidade”.

Tomanari diz que a condução de transferência dos moradores dentro do CRUSP foi feita pela assistência social, em conversas diretas com cada apartamento. “O que eu percebi é que alguns estudantes já tinham contatos em outros blocos e um caminho trilhado. Outros não. Nesses casos, as assistentes sociais estão fazendo a ponte completa, procurando outras vagas, conversando com os moradores nos apartamentos de destino”.

Segundo o superintendente da SAS, existem 111 vagas disponíveis entre os prédios para os alunos do Bloco D. Foi segurada a entrada dos ingressantes prevendo a necessidade de mudança e priorizando os moradores que já estavam nos edifícios. “A Universidade nunca impôs que o aluno tivesse que mudar do apoio para o auxílio”.

Em relação a transparência, a universidade mostrou três comunicados enviados aos estudantes. Dois estão datados no dia 3 de agosto. Neles, um avisa sobre o início da reforma e outro explica sobre as escolhas dos estudantes quanto ao recebimento do auxílio moradia ou realocação dentro do CRUSP, constando também uma extensão de prazo para deixar o apartamento até o dia 31 de agosto.

 Sobre as denúncias de assédio, a USP informa ter criado um protocolo para atender mulheres vítimas da violência de gênero. O atendimento é feito pelas assistentes sociais e o Escritório USP Mulheres. Na parte da saúde mental, a universidade lançou em junho um Programa de Atenção Primária à Saúde em que pretende fazer um acompanhamento durante 24 meses da saúde dos moradores do CRUSP.

Os moradores do Bloco D, representados pelo Departamento Jurídico XI de Agosto, entraram com uma Ação Civil Pública devido ao prazo para deixar o prédio, que foi entendido como curto. “O prazo inicial era dia 15 de agosto e esse aviso foi feito no final de julho”, diz Pedro Teixeira, 21, Diretor de Relações Públicas do DJ. O prazo posteriormente foi estendido para dia 31 do mesmo mês.

Nesta última quinta-feira (27), estava planejada a audiência de conciliação entre moradores do CRUSP e a USP em relação a essa saída. “Nosso objetivo é que a USP converse com os estudantes para ver qual é a necessidade real deles ali”, diz Teixeira. Segundo ele, apesar de não haver um efeito suspensivo da ação civil, esse é um dos objetivos. “Não achamos que estamos pedindo nada que não seja razoável. Não nos falaram quantos alunos serão desabrigados e quantas vagas há no CRUSP. Queríamos um diálogo unificado com os estudantes, e não conversas individuais”. 

Histórico do CRUSP

O Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, conhecido popularmente como CRUSP, teve seu projeto elaborado em 1961 por três arquitetos: Eduardo Kneese de Mello, Joel Ramalho Júnior e Sidney de Oliveira. No projeto original, era previsto um conjunto de doze edifícios de seis andares e térreos em pilotis.

A construção iniciou-se em 1962, com os seis primeiros blocos: A, B, C, D, E e F. Na época, o governo estadual liberou os recursos para obra sob o pretexto de usar esses alojamentos nos Jogos Panamericanos de 63. Em maio do ano do evento esportivo, tanto os prédios quanto um restaurante estavam prontos.

            Em agosto de 1963, o CRUSP passou a oficialmente a cumprir a função de moradia estudantil e perdurou até 1968. Durante esse período, houve a construção do Bloco G e também a demolição da estrutura pré-moldada do Bloco J, transformando o espaço em uma via que separaria os Blocos K e L dos demais. Esses últimos dois não serviriam ao conjunto de moradias, e sim como prédios administrativos da reitoria.

            Em 1968, no auge da ditadura militar no Brasil após a promulgação do AI-5, os estudantes foram removidos do CRUSP. O lugar ficou abandonado até novembro de 1979, quando eles voltaram a ocupar os prédios, começando pelos blocos A e F. Entre 1984 e 1985, a universidade voltou a administrar o espaço como um conjunto de moradia estudantil. Último bloco a ser construído, o A1 ficou pronto em meados de 2010. 

*Auxílio de Pedro Carvalho no processo de apuração

**Apuração finalizada no dia 27 de agosto de 2021

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