Transições de carreira mostram que sempre é possível se reinventar

Da assessoria ao adestramento de animais, da engenharia florestal ao teatro: conheça histórias de mudança profissional

Inimiga da boa convivência em grandes cidades como São Paulo, a chuva foi responsável por permitir uma brecha na tumultuada agenda de Thiago Barbieri para alguns minutos de entrevista. Do carro, já a caminho do destino, ele soube que o compromisso que teria havia sido cancelado. O plano original era usar aquele final de tarde para dar aulas. Mas não qualquer tipo de aula.

 Mudança de rota: o adestramento de cães

Depois de quase 20 anos trabalhando como jornalista com passagem por veículos de imprensa e agências de comunicação, Thiago decidiu investir em um dom antigo, o de trabalhar com animais. Mais especificamente, com cachorros com problemas de comportamento.

O pontapé inicial para investir na habilidade nata foi quando, já cansado da rotina da agência de assessoria de imprensa que trabalhava, fez uma pós graduação em gestão de negócios já pensando em uma oportunidade de empreender. O projeto de TCC rendeu a aprovação, mas ficou algum tempo na gaveta.

Até o dia em que ajudou uma senhora viúva a se entender melhor com o maltês que havia recebido de herança, O ano era 2016 e Thiago decidiu se profissionalizar e estudar comportamento animal e adestramento moderno. Ao confirmar que levava jeito para trabalhar com cães, ele passou a se dedicar integralmente à sua nova profissão, abandonando o jornalismo — pelo menos formalmente.

“O jornalismo continua, só não estou trabalhando nos veículos. Trabalho com a comunicação entre as espécies, me vejo como uma ponte um facilitador entre cães e famílias”, explica.

Na realidade, Thiago considera que seus verdadeiros alunos não são os cães, e sim os tutores, já que são eles que vão aplicar no dia a dia as técnicas de comunicação e treinamento. “As coisas são interligadas, cães e famílias. Não da para trabalhar com animais sem tratar com pessoas”

Enquanto concedia a entrevista, Thiago ainda não estava totalmente recuperado do luto de perder o Malzbier, seu companheiro por 18 anos que emprestou o focinho para o logotipo da empresa Cão Centrado. Mesmo sem saber à época, Malzbier pode ser considerado o primeiro aluno de Thiago, ou melhor, o primeiro a ensinar a Thiago. “Ele era um vira-latas com histórico de maus tratos e se tornou super sociável. Demos muita qualidade de vida a ele.”

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Novos planos: do teatro amador aos palcos profissionais

Frequentador de cursos de teatro amador desde os sete anos de idade, Carlos Becker, hoje com 26, percebeu que a sua verdadeira vocação não estava na profissão que escolheu seguir no vestibular. Ele cursava engenharia florestal e decidiu se matricular também em um curso de teatro, dessa vez, profissional.

“Eu descobri que o ofício do ator poderia ser uma profissão, eu poderia estudar e me aprofundar naquilo. Eu não consigo me ver fazendo outra coisa. Então, agora eu entendo que produzo teatro porque está em mim, é algo potente que está dentro de mim. Eu produzo teatro para proporcionar uma vivência para o público.

Em 2014, resolvi entrar para um curso de teatro e descobri que o ofício do ator poderia ser uma profissão, eu poderia estudar e me aprofundar naquilo. Quando eu montei minha cia. do teatro foi que eu entendi a produção: “por que estou produzindo arte” por que estou fazendo aquilo”, “por que larguei engenharia florestal para seguir a carreira artística”. Por mais difícil que seja, ela é muito possível, tem muitas maneiras de trabalhar com teatro no Brasil. Na época que comecei a entender o teatro como profissão, eu produzia por diversão também.

Acho que tudo é uma ligação, eu produzo teatro porque eu amo porque eu me divirto, porque é bom. É bom estar com o público, é bom passar uma sensação com a galera. Eu amo, que delícia ter falado disso. Eu amo fazer teatro. Eu produzo teatro para me sentir bem e para que as pessoas que assistem ao meu espetáculo tenham uma vivência única e que isso toque de alguma forma positiva.

Em todos os espetáculos, eu estava feliz, eu me sentia muito feliz de estar ali. De estar no palco, de pisar, estar em cena, vivenciar uma coisa diferente da minha essência, da minha história, do que eu costumo fazer como Carlos. Eu acho que essa é a grande jogada do ator, saber vivenciar de fato a energia do espetáculo e dividir isso com o público. Não se mostrar “ah, como sou habilidoso”. Mas dividir isso, ter essa troca mútua que é muito importante e que é pura energia, pura potência. Eu me sinto grande quando estou ali, me sinto bem, me sinto livre. Essa sensação de liberdade, de estar ali com seus amigos, amigas, amigues de cena. Eu sinto essa potência.

É louco, eu acho que junta a questão do sentir e do pensar. Quando eu estou imerso no espetáculo, eu penso como personagem, eu penso estando ali, atento com a minha escuta com todas as possibilidades. E quando você passa por esse atravessamento que é o teatro, que é uma arte política, é uma arte de liberdade, que acolhe, que produz amor, reflexões, pensamentos, que produz tanto material incrível e transforma qualquer pesquisa, qualquer linguagem em poética. Isso é o teatro.

E como a gente não consegue se impactar com tudo isso? A gente tem mais empatia pelas coisas, a gente tem mais carinho em relação a tudo, ao outro. Você luta por um mundo mais igual.

O teatro impacta, não tem jeito, eles são impactados, é uma arte, um lugar de impacto, que atravessa vidas, ele marca. O teatro deixa você ser quem quiser ser, na hora que quiser, no seu tempo. Ele é poderoso, incrível, um caminho para as pessoas se descobrirem, se entenderem, se amarem, lutarem. A gente tá precisando tanto disso nesses tempos obscuros, tá tão difícil tudo, tão complicado. Fazer teatro hoje em dia é um ato de resistência. E acho que não tem nada mais impactante e transformador do que isso.

Mas, fazendo teatro é possível gerar mudanças por meio da arte. O teatro é uma das coisas mais antigas do mundo. Os anos passam, o tempo passa, mas o teatro está ali sendo apresentado, gerado, sendo feito. E isso mudou muito em mim. A minha visão de mundo foi para outro lugar. Minha existência mudou. O sentido da minha vida mudou, eu sou completamente apaixonado pelo teatro, amo atuar, é uma das paixões da minha vida.

Fico feliz quando estou em cena, eu pulso de alegria, eu existo estando em cena. Eu verdadeiramente existo quando estou em cena, estou ali, estou pulsando, gerando troca. E quando entendi que o teatro é essa troca constante com o ser humano, essa troca energética, esse mundo louco que o teatro proporciona, que é um lugar que gera reflexão, posicionamento, tanta coisa legal e potente.

Às vezes eu tenho a sensação de que não consigo mais separar a minha vida do teatro, porque é tudo meio junto, a gente está ali imerso nesse ambiente que acaba sendo uma coisa só. E é tão lindo, tão bacana. Obrigado por me fazer lembrar disso, do meu ofício que gera mudança no mundo.

Mudo, minha forma de ver o mundo e de batalhar por um mundo mais justo por meio da arte, por meio do teatro, levando teatro para quem não tem acesso e fazendo com que as pessoas que não tem acesso possam experimentar, ter essa vivência e entender que sim, é possível a arte mudar vidas. Tenho certeza de que é possível e que eu e tantos outros artistas que estão nessa luta vão continuar seguindo firmes e fortes para que o teatro se expanda cada vez mais e chegue em cada vez mais pessoas. Porque o teatro é vida e a vida não para de pulsar.”

 

 

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