Mate, tango y rock n’ roll

Cabelos compridos, barbas por fazer e pouco ou nenhum apreço pelo que ditava a indústria cultural reuniram jovens argentinos no final dos anos 60 em bandas como Almendra, Los Gatos e Manal, nomes que pavimentaram o caminho para a música argentina do final do século XX.

No início da década de 60, fenômenos mundiais como os Beatles e outros sucessos locais dominavam as rádios em quase todo o mundo, com ritmos mais dançantes e festivos.

Na periferia deste movimento, em bares e locais considerados alternativos, começam a se juntar jovens com ideias diferentes sobre música e sobre o que fazer com os instrumentos. “O primordial desse movimento era a ideia de se fazer música para ouvir, e não para dançar. Então, se antes, o que embalava os jovens argentinos eram melodias simples e envolventes e letras quase fúteis sobre temas como paixões e divertimento, esses grupos investem em melodias mais elaboradas e letras com temas mais complexos”, explica o professor Adrian Pablo Fanjul, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Fanjul comenta, ainda, sobre a influência dos Beatles, que em 1965 divulgam o álbum Revolver, um marco tanto para a banda inglesa como para a música.

“A complexidade que os Beatles trouxeram em Revolver, quase abandonando a postura anterior, inspira muito esses jovens, que ouvem e passam a querer também fazer uma música mais elaborada. Esse álbum dos Beatles é um ponto de virada pro rock argentino também. Tanto que o primeiro encontro dessas bandas é chamado de aquí y allá y en todas partes”. (Referência à música Here and there and everywhere, que compõe o álbum Revolver).

A tríade pioneira

Esse primeiro momento, com a influência dos Beatles é marcado pela formação inicial de diversos grupos e solistas, mas três deles são considerados e cultuados como pioneiros do movimento na Argentina. São Los Gatos, formado por Litto Nebbia e Ciro Fogliatta, Manal, com Alejandro Medina, Cláudio Gabis e Javier Martínez, e Almendra, liderado por Luis Alberto Spinetta.

“Em 1969 já estão formadas as três bandas chamadas de pioneiras. A partir disso, com o aumento da popularidade desses grupos, outros jovens começam a ter a ideia de também ter uma banda.”

Depois dos pioneiros, a evolução

O início dos anos 70 é marcado pelo surgimento de bandas que marcam muito o imaginário da juventude argentina. Nos primeiros anos, surgem grupos como Pescado Rabioso, criado por Spinetta em conjunto com o baterista Black Amaya e o baixista Osvaldo “Bocon” Franscino, e a Sui Generis, criada por Charly García, músico de formação clássica. 

“Tanto Spinetta quanto García são nomes fundamentais para o rock argentino. Spinetta pelo pioneirismo, e García por trazer ao cenário uma excentricidade, uma sordidez na letra que não era vista antes. O fundamental dessa segunda onda é que influencia os mais jovens, que já não ouviam tanto as bandas da primeira geração. Esses dois nomes e o cenário em que estão inseridos causam um aumento muito grande do rock na Argentina.

O rock e a ditadura

Em 1975, é instaurada na Argentina uma sucessão de governos militares, marcados pela censura e repressão contra opositores, políticos e artistas. Nesse contexto, a prática de todas as artes fica mais difícil, e com o rock não é diferente, explica Fanjul. 

“Muita gente chama o rock argentino de apolítico, porque não falava explicitamente sobre o governo e sobre a repressão nas músicas. No entanto, eles são muito políticos, falando sobre liberdade e com a própria atitude de romper com o que pregava a indústria cultural.”, comenta o professor.

Fanjul analisa ainda que a repressão afetou o rock, deixando o ambiente pouco propício para a produção musical no país, de tal forma, que o Serú Girán, seguno grupo de Charly García, teve de ser formado em Búzios, no Rio de Janeiro. 

“Não se pode dizer que estavam exilados no Brasil, mas os membros do Serú Girán saíram da Argentina porque não eram livres para criar tranquilamente no país. No Brasil, por serem argentinos, acabam se conhecendo e formando a banda e foram gravar o primeiro álbum em São Paulo.”

A transição para os anos 80, e a guerra das Malvinas, iniciada em 1982, é outro ponto importante na influência do rock na Argentina. Durante o conflito contra os ingleses, as rádios pararam de tocar músicas em inglês e, assim, músicos nacionais passaram a ter maior relevância no país. 

Neste contexto de dificuldade para a música em Buenos Aires, é que em Rosario, cidade do interior da Argentina, é criada a banda Staff, primeiro grupo relevante de Fito Páez, um dos maiores nomes da música argentina. 

“Fito, assim como outros músicos, é fruto da chamada ‘nova trova rosarina’ que, vinda do interior, tem muita influência das bandas pioneiras, e é alavancado pela maior valorização dos artistas do país.”

A relação com o Brasil

Gigantes na Argentina, essas bandas não são tão conhecidas do público geral no Brasil.  Segundo Fanjul, um dos principais pontos que  influencia a pouca penetração desses grupos por aqui é o tamanho da indústria musical no Brasil e na Argentina. 

Juan Carlos “Mono” Fontana, na Casa de la Cultura del Fondo Nacional de las Artes, em Buenos Aires (2015).

“Existem muitas áreas em que a produção cultural argentina é mais relevante internacionalmente do que a brasileira. Literatura, quadrinhos, cinema são áreas que a Argentina tem muito mais sucesso internacional porque tem mais fomento da indústria. Isso também ocorre com a música brasileira.”

Para o professor Leonardo Freire de Mello, que ministra um curso livre sobre a história do rock no século XX da UFABC, a pouca penetração dessas bandas no Brasil deve-se também às dimensões do continente. 

“Hoje, muitas vezes a gente aqui em São Paulo não sabe o que está acontecendo na cena de outros estados, então na de outro país é ainda mais difícil. Hoje, que isso seria mais fácil, o rock está em muito menos evidência, então é natural que seja menos ouvido.”

Ainda que pouco conhecidas do público, as músicas argentinas não passaram despercebidas por algumas de nossas bandas, que regravaram com versões em português, como os Paralamas do Sucesso, que fizeram versões de músicas como Track-Track de Fito Páez e Viernes 3AM, do Serú Giran de Charly García.

 

Linha do tempo

setembro de 1991

Trac Trac, lançada no álbum Os Grãos dos Paralamas do Sucesso, é uma versão de uma música do Fito Páez

 

agosto de 1995

O grupo punk Attaque 77 gravou uma versão de Fábrica, da Legião Urbana, no álbum Amén!

 

julho de 1996

De Música Ligera, do Soda Stereo, foi gravada pelos Paralamas do Sucesso no álbum Nove Luas

 

junho de 1998

Viernes 3 AM, de Charly Garcia, recebeu uma versão dos Paralamas no álbum Hey Na Na

 

novembro de 1998

Amigo, de Roberto e Erasmo Carlos, e Perfeição, da Legião, aparecem em Otras Canciones, do Attaque 77

 

maio de 2002

A Sua Maneira, de Rosas e Vinho Tinto do Capital Inicial, é uma adaptação para De Música Ligera