Uma moeda, que circula de bolso em bolso, representa também uma memória circundante do país, que passa despercebida na maior parte do tempo, e que carrega consigo um valor não somente econômico, mas também imagético e simbólico.
Ainda que dentro da América Latina o Brasil usufrua de seu poder geopolítico e tenha uma moeda valorizada, ao adotar uma imagem genérica de liberdade na estampa de suas notas e dinheiros metálicos, o país deliberadamente cobre sua história com um véu. E, na tentativa de tirar esse véu, revela-se apenas o rosto europeu da efígie da Liberdade.
Essa obscura palavra, envolta de tantas falácias no contexto imperialista, reafirma diariamente o descaso do Estado com a história popular. O Brasil está na periferia do capitalismo global e tem como grandes personagens, sim, líderes revolucionários, indígenas, quilombolas. Faces que diferem muito da atualcordial imagem do Real.
A questão está longe de ser resumida em um esforço da chamada “micro história”, que tem como objetivo colocar em destaque personagens e pessoas historicamente e, deliberadamente, deixadas de lado. Mas, sobre pontuar uma escolha que reafirma cotidianamente qual a face do Brasil, qual sua postura política e de retratar o valor dado a determinadas classes e sujeitos.
É covardemente fácil ilustrar as notas brasileiras com animais da nossa rica fauna. Não há — ou praticamente não há — uma discordância de que os animais nativos brasileiros têm beleza e merecem viver — e, pelo menos socialmente, é inaceitável dizer o contrário. Já a existência de indígenas, de líderes da reforma agrária, de presidentas ou de comunistas não é tolerável o suficiente para que essas histórias de luta estampem as notas brasileiras.
E é justamente esse retrato de liberdade violenta que é reafirmado no Real do Brasil.