Cooperação acadêmica no Sul Global: um intercâmbio de conhecimento e cultura

Por Natane Cavalcante e Vitor Cavalari.

As universidades internacionais no Brasil são fundadas na cooperação solidária, em oposição à tendência mundial de produção de conhecimento acadêmico focado em rankings internacionais. As ações da cooperação incluem mobilidade acadêmica, pesquisas internacionais, dupla diplomação e projetos de extensão.

A Unila, por exemplo, está situada em Foz do Iguaçu, no Paraná, e atua na fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. A universidade participa de conselhos municipais e trinacionais, envolvendo professores e estudantes em reuniões do Mercosul, além de contribuir com os serviços públicos da região. Diana Araújo, Reitora da Unila, exemplifica que “a universidade se integra às instituições de saúde em Foz do Iguaçu, e essa cooperação foi muito significativa para cuidar da população durante a pandemia da covid-19”. 

Do outro lado do país, no Nordeste, a Unilab está presente no Ceará e na Bahia. Fundada em 2010, a instituição trabalha sob o viés da solidariedade, com o objetivo de integrar o Brasil aos membros dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). A proposta é impulsionar a economia e os serviços das regiões, sobretudo na região Nordeste. A ideia é que os estudantes retornem às respectivas origens e contribuam para o desenvolvimento de políticas nacionais. 

Em geral, as universidades se desenvolvem internacionalmente por meio de diversas atividades, como a mobilidade acadêmica e a cooperação interuniversitária, estabelecendo acordos para criar programas conjuntos, pesquisas comparadas e manutenção da comunicação e do mútuo conhecimento ao longo do tempo. 

A Unilab está em constante busca pelo fortalecimento da cooperação internacional, com destaque para a colaboração com a República de Moçambique. Nessa parceria, Moçambique garante que todos os estudantes enviados à Unilab recebam bolsas para sua permanência na universidade. Além disso, são firmados acordos de dupla titulação, permitindo que os graduados exerçam a profissão ao retornar ao país. “Essa iniciativa de cooperação enriquece nossa universidade”, ressalta o Reitor da Unilab, Roque Albuquerque.  

A Unila também se dedica à obtenção de dupla diplomação para que os estudantes internacionais possam retornar aos respectivos países com capacitação adequada. Diana Araújo destaca que os estudantes paraguaios são os mais presentes na universidade, mas os projetos de internacionalização também são desenvolvidos com a Argentina. Além disso, a universidade está criando um programa para jovens líderes do Mercosul e, recentemente, assinou um convênio com o Instituto Mercosul, que oferece estágios e outras oportunidades aos alunos.

Construção da identidade no hemisfério sul 

A construção da identidade latino-americana, afro-brasileira e caribenha, tanto na Unila quanto na Unilab, acontece por meio da implementação de projetos de pesquisa e extensão. Entretanto, é a convivência intercultural e plurilinguística fora da sala de aula e, por meio de eventos sociais, que realmente configura a formação identitária entre os estudantes. 

As universidades buscam transcender fronteiras geográficas, linguísticas e culturais para fomentar a diversidade acadêmica e estimular a integração. No entanto, consolidar uma integração duradoura e consistente é um desafio para essas instituições.

Segundo Diana Araújo, construir uma identidade latino-americana por meio de bases comuns entre os estudantes é um objetivo da universidade. A diversidade de nacionalidades, idiomas e grupos étnicos demanda iniciativas que construam pontos em comum para que exista convivência, afirma a reitora.

Para isso, a Unila adota o ciclo comum de estudos como estratégia de integração. O ciclo promove o intercâmbio linguístico entre os alunos: quem fala português aprende espanhol e vice-versa. Além disso, a universidade oferece projetos de extensão e monitorias especializadas para indígenas e refugiados haitianos.

Por sua vez, a Unilab realiza o Seminário de Ambientação Acadêmica (Samba), que aborda questões de raça, etnia e gênero, esclarecendo sobre as legislações brasileiras relacionadas à permanência estudantil. Além disso, a universidade conta com um núcleo de idiomas que busca diminuir as barreiras das variações da Língua Portuguesa.

Unindo sabores e tradições: feira gastronômica promove integração cultural entre países da América do Sul na Unila.

Desafios

No entanto, as iniciativas não são suficientes para superar as barreiras linguísticas e promover a convivência e o intercâmbio cultural entre os alunos. De acordo com Jorgelina Talei, professora de Língua Espanhola na Unila, isso ocorre porque a Unila não possui uma política específica de integração, deixando a cargo das ações promovidas pelos próprios estudantes.

Jovana Schmidt, estudante de antropologia e coordenadora do Diretório Estudantil Latino-Americano da Unila, destaca que os projetos de integração promovidos pelos alunos, como feiras gastronômicas, apresentações musicais e teatrais, entre outros, são relevantes, mas não suficientes: “conseguimos nos integrar de forma autônoma até certo ponto, mas falta incentivo da universidade na manutenção dessa integração”. 

Ela também relata que, ao ingressar na Unila, os alunos ficam encantados com a diversidade cultural e linguística. No início, há um esforço coletivo para aprender o idioma, a cultura e se integrar. Contudo, com o passar do curso, a tendência é que os estudantes formem grupos por nacionalidade ou região do Brasil: “temos dificuldades em continuar falando a língua do outro, em nos interessar mais pela cultura do outro e insistir na integração”.

Além disso, a Unila também enfrenta a falta de recursos financeiros. A instituição, inaugurada em 2010, continua em processo de consolidação. Em 2014, as obras do futuro campus da universidade foram abandonadas, com 40% da primeira fase de construção executada, segundo a Unila. A obra fica em uma área de quase 380 mil metros quadrados doada pela usina hidrelétrica de Itaipu, sendo o último projeto assinado pelo arquiteto Oscar Niemeyer.

A paralisação das obras, que durou quase uma década, causou inúmeros transtornos. Os estudantes precisaram se adaptar a um espaço reduzido, o que prejudicou as atividades acadêmicas. Diana aponta que a falta de investimentos na universidade é um problema da política brasileira e regional, que esteve na contramão da missão da Unila de integração e cooperação acadêmica: “desde 2016, há uma tendência contrária a esse compromisso, mas com o novo governo Lula, há um sentimento de otimismo renovado”, declara.

Diante da persistente escassez de recursos ao longo dos anos, os estudantes intensificaram  as reivindicações. A mais recente ocorreu em outubro deste ano, quando os alunos deflagraram uma greve, demandando a contratação emergencial de professores, políticas de permanência estudantil e a implementação de restaurantes universitários acessíveis. Jovana relata que, embora a universidade tenha demonstrado disposição para o diálogo, ainda não apresentou uma solução concreta para atender às demandas dos estudantes: “estamos avançando a passos lentos”. 

No caso da Unilab, a instituição destina 42% do custeio global exclusivamente para a permanência estudantil, sendo a única Universidade Federal do Brasil com essa porcentagem, afirma o Reitor Roque Albuquerque. Para tanto, a Unilab recebe apoio do Ministério das Relações Internacionais do Brasil e recursos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 

Em julho de 2023, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou a retomada das obras do campus da Unila, com um investimento previsto de R$600 milhões provenientes da Itaipu Binacional. O anúncio gerou muita expectativa entre os alunos. Segundo Jovana, eles estão ansiosos para ocupar o novo espaço: “com uma estrutura adequada, poderemos realizar mais atividades e todos os cursos poderão crescer e contribuir mais”. 

Também neste ano, de acordo com informações da assessoria do Ministério da Educação, o investimento na Unilab foi de R$10,5 milhões para a continuação das obras no Campus dos Malês, na Bahia. Já no mês de outubro, foi anunciado que o Campus de Baturité, no Ceará, começará a oferecer o curso de medicina, mas ainda não há data definida para a sua implantação.

Ambas as universidades internacionais do Brasil enfrentam desafios para trabalharem em conjunto no próprio país. A reitora Diana Araújo comenta que a Unilab já realizou diversas visitas à Unila, e que as duas instituições têm muitos pontos em comum. No entanto, ela menciona que, no momento, a Unila não mantém uma relação direta com a África.

O Reitor Albuquerque relata que percebeu uma maior aproximação com a Unila, principalmente neste ano de 2023, em que as gestões na educação parecem estar mais alinhadas com os propósitos de internacionalização e cooperação.

A intensificação de acordos de dupla titulação e a troca de experiências em projetos de pesquisa conjuntos sobre a relação entre América Latina e África podem fortalecer a relação entre as instituições. Os membros acadêmicos de ambas universidades concordam que para garantir a continuidade e o crescimento dessas iniciativas, é necessário um apoio contínuo por meio de políticas públicas e investimentos adequados.