Por Luana Maria Benedito e Matheus Zanin
Tudo começou quando a jornalista Mariana Arrudas, 21 anos, decidiu iniciar terapia virtual após seu trabalho fornecer sessões gratuitas na época da pandemia. O que era pra ser uma experiência agradável, porém, acabou se tornando traumatizante com o passar do tempo. Segundo ela, a profissional passou a assumir um tom mais agressivo em suas últimas consultas, com uma situação que fez Mariana desistir de continuar a fazer terapia.
“O pior momento foi no Dia dos Namorados de 2020. Eu falei que eu estava chateada por não poder comemorar do jeito que eu queria, por causa da pandemia. Ela surtou, dizendo que eu era muito mimada e infantil, que meu namorado era um coitado por estar me aguentando falar aquelas coisas para ele.”
Durante a última sessão, Mariana começou a chorar na frente da profissional, que reafirmou as falas anteriores. Após desligar o computador, decidiu que não iria mais fazer terapia. “Eu fiquei com muita vergonha de voltar lá e explicar para a psicóloga que eu não havia gostado da forma como ela me tratou”, diz a jornalista.
O caso de Mariana não é o único que demonstra a quebra de expectativa com a terapia, que pode ocorrer por diversos fatores.
De acordo com o psicólogo e pesquisador pela Universidade de Verona, na Itália, Danillo Lisboa, grande parte da quebra de expectativas com a terapia ocorre em decorrência de algo muito mais profundo e complexo — a crença em uma “fórmula mágica” que resolverá todos os problemas da vida da pessoa e a ideia de que todas as pessoas precisam de terapia. “Estamos vendo a transformação de sintomas sociais em uma patologização do indíviduo”, ele explica.
Luiza*, 22 anos, também teve uma experiência insatisfatória ao se submeter a tratamento psicológico. Ela procurou a psicoterapia por sofrer de vaginismo, uma disfunção sexual que provoca espasmos involuntários da musculatura da vagina, incapacitando qualquer tipo de penetração.
Em outubro de 2021, após passar numa consulta com ginecologista para abordar a questão, Luiza foi encaminhada pela médica para uma sexóloga que dizia ter o tratamento ideal para o vaginismo, aliando o acompanhamento psicológico com o uso de dilatadores que tradicionalmente são utilizados no processo de cura.
“Ela disse que tinha estudado e conseguido criar um método que poderia ter resultado com apenas uma pessoa” aplicando o tratamento, conta Luiza. “Isso era muito atraente para mim, tanto no sentido financeiro quanto de disponibilidade.”
A princípio, o tratamento funcionou.
“Eu nunca tinha estado tão aberta a abordar minha sexualidade e essas questões que eu tinha relacionadas a sexo no geral e relações. Então eu acreditava no processo, eu via de certo modo sim, uma evolução”, conta Luiza.
Em março, porém, Luiza e a profissional que a atendia resolveram mutuamente impor uma alta temporária à paciente. Por volta de maio, ela começou a namorar, o que a motivou a buscar novamente o tratamento da sexóloga, e foi então que ela sentiu que as coisas não estavam indo para frente, uma vez que a profissional insistia num formato de tratamento que não estava revelando progressos práticos.
“Esse segundo momento foi ruim porque eu não sentia os avanços. Ela continuava me oferecendo sempre a mesma solução de que ‘ah, é só você tentar, você tem que relaxar mais’. Eu tenho literalmente uma contração involuntária do meu músculo, como você fala para eu relaxar? Eu não tenho nem a minha própria percepção do que o músculo faz, como que eu vou poder pensar em relaxar?”, desabafa ela.
Para piorar, no retorno à terapia, Luiza percebeu um grande distanciamento de posicionamento político entre ela e a psicóloga.
“Muitas vezes ela me dava soluções de modos meio neoliberais de lidar com o problema: ‘Você é o problema. Melhore. Você consegue’. Eu me sentia numa coach”, conta ela, acrescentando que a sexóloga chegou a recomendar que ela assistisse pornografia como parte do tratamento, sendo que Luiza vê a pornografia como uma forma de explorar o corpo das mulheres.
“No final do processo ela dizia que o problema era que eu não era mulher o suficiente, que quando eu não tivesse mais medo, quando eu aceitasse a minha feminilidade, isso é o que me liberaria para o meu eu naturalmente, e, assim que eu percebesse isso, eu iria relaxar instantaneamente”, diz ela.
No final, a solução foi largar a sexóloga e buscar a fisioterapia, que trouxe resultados de forma mais rápida do que Luiza esperava.
“Na fisioterapia pélvica, foram apenas três meses de exercícios diários. E não só isso, mas massagem pélvica, outras outras estratégias dentro da fisioterapia. Deu três meses, resolveu o problema”, conta ela.
Monica Valiante Tobias (@monicafisiopelvica no Instagram), fisioterapeuta pélvica, explica que, embora disfunções como o vaginismo muitas vezes estejam associadas a questões psicológicas, como traumas de infância e abusos sexuais, há casos em que a causa é puramente física. “Pode ser de uma queda a um atleta que faz ciclismo e tem muito impacto no assoalho pélvico, o que pode desencadear essa contração involuntária da musculatura ou essa dor na musculatura”, diz a especialista.
No entanto, ela não descarta a necessidade de combinar os dois tipos de tratamento, quando necessário. “Pode ter tanto uma ligação só psicossomática, pode ser uma ligação só física e pode ter os dois associados. Já tive casos de a gente resolver a parte física e comigo ali em consultório tudo funcionava super bem, a gente já tinha chegado a não ter mais dor nenhuma, porém na relação a paciente travava, então aí foi um caso que eu tive que encaminhar para a psicoterapia, porque era necessária essa parceria”, diz Monica.
Luiza ressalva: “Nessa discussão geral sobre terapia que temos hoje em dia, se esquece muito o fator social. Qual é a realidade econômica que vivemos, em qual sistema, como se constroem as relações produtivas. E eu acho que isso muitas vezes é deixado de lado e sempre vai muito para esse viés ‘a terapia vai salvar a todos’. Ou seja, é quase como se o terapeuta fosse um missionário.”
Do outro lado do divã, o terapeuta também pode sentir que não é mais capaz de atender seu paciente. “Ele precisa passar por supervisões frequentes, dos próprios atendimentos que ele realiza”, explica Danillo ao indicar a importância da própria análise pessoal do profissional. “É preciso não misturar questões pessoais com as do paciente”.
Nem todo mundo precisa de terapia
Questões básicas como infraestrutura, moradia, saúde, alimentação e acesso à cultura, por exemplo, que poderiam ser fatores de bem-estar e de promoção de saúde mental, estão sendo esquecidas pelas pessoas, que passam a considerar todos os males como alguma fraqueza psicológica e que precisa ser resolvida no consultório. “É muita irresponsabilidade a gente dizer que uma pessoa que perdeu o emprego precisa de terapia. Ela precisa de um emprego”, diz Danillo.
Outro fator que pode influenciar na banalização da terapia e gerar decepções em pacientes é a crescente onda de propagandas de psicólogos em redes sociais, conforme conta Danillo. “Diferentes profissionais estão indo para as redes sociais e divulgando recortes de sintomas As pessoas começam a achar que aquilo é dela e que precisa estar fazendo tratamento Ao mesmo tempo em que a psicoeducação é algo positivo para o público, ela remove a subjetividade do indivíduo, porque aquela fator vira de todo mundo, não é mais singular.”
Enquanto a terapia continua trazendo diversos benefícios à população, muitas situações pelas quais as pessoas buscam realizar consultas com psicólogos podem ser resolvidas por meio de outras alternativas. “Se todo mundo precisa de terapia, é porque ninguém precisa”, Danillo finaliza.