Com espuma ou sem espuma? Qual a importância do colarinho na cerveja

Por Gabriel Guerra

Em um bar despojado na esquina da Al. Jaú com a Av. Rebouças, cinco rapazes erguem o copo vazio à espera do sexto integrante — o mais aguardado. Ele chega, e enche de cerveja um copo de cada vez. No processo, alguns mantêm o copo reto. Outros inclinam o copo a 45 graus, até o líquido preencher a metade, para terminar o processo com o copo reto. 

“Não sabe ser boêmio, olha o tanto de espuma que você colocou”, reclamou um dos rapazes em tom de brincadeira. O colarinho — outra denominação para a formação de espuma na cerveja — divide opiniões nos bares das cidades. Do mesmo grupo, Felipe Seriacopi, estudante de Educomunicação, prefere beber cerveja com espuma. “O gosto da cerveja se junta com a textura da espuma e fica agradável”, comenta. 

Em outro grupo, num boteco próximo a Praça Franklin Roosevelt, às amigas Camila Mikie e Thaynah Gutierrez discordam sobre o assunto. Thaynah, formada em Administração Pública, não gosta de consumir cerveja com espuma. “Muda completamente a experiência com a cerveja”, afirma, “parece que você não está bebendo a cerveja de fato, eu acho que atrapalha o gosto, você não consegue curtir ela totalmente.” 

Já Camila, bióloga e bacharel em Direito, prefere com espuma e brinca que o colarinho faz uma “massagenzinha” no gosto da cerveja. “Eu entendo [o argumento da Thaynah], mas eu acho que a espuma também faz parte do gosto da cerveja”, rebate. 

Camila Mikie e Thaynah Gutierrez não concordam sobre o colarinho na cerveja. Foto: Gabriel Guerra.

Para além dessa interminável polêmica etílica, a ciência tem algo a dizer sobre a questão? Afinal, cerveja deve ter espuma? Se você está esperando uma resposta simples do tipo “sim” ou “não”, espere um pouco para molhar o bico. Antes de tudo, é preciso saber o que bebemos. Cerveja é mais complexo do que parece. 

“A gente tem aproximadamente 130 estilos de cerveja nos nossos guias”, afirma Leandro Viu, cervejeiro e coordenador geral de cursos no Instituto da Cerveja. Leandro conta que as cervejas são classificadas e divididas pelo tipo de fermentação, que formam famílias de cerveja. 

A questão da fermentação é importante para saber o que consumimos. As cervejas tipo Ale representam cerveja com alta fermentação e Lager com baixa fermentação. A cerveja mais consumida no mundo é a Pilsen — que faz parte da família Lager. 

“No Brasil quando você vai comprar uma latinha de cerveja no supermercado, aquela cerveja mais popular com ‘Pilsen’ escrito no rótulo, na verdade ela não é uma Pilsen”, alerta Leandro, “ela é uma American Lager.” Isso porque, apenas a cerveja desenvolvida na cidade de Pilsen, região da Bohemia, na República Tcheca, pode ter esse nome. 

Pode pedir mais uma rodada que agora vamos falar do colarinho. “Sim, sempre sim!”. Leandro é enfático ao responder se cerveja precisa ter espuma ou não. “Nós, como cervejeiros, estudamos e trabalhamos para que tenha a formação de espuma, então a espuma é muito importante”, complementa.

O cervejeiro explica que o colarinho ajuda a manter a temperatura, aroma e gás da cerveja  — processo também chamado de carbonatação. “Então, se eu sirvo um copo com espuma e o outro copo sem espuma da mesma cerveja, o sem espuma vai esquentar, perder o gás e o aroma mais rápido”, exemplifica. 

O que faz água de verdade é a lenda de que a cerveja sem espuma vai “espumar” — ou seja, fermentar — na sua barriga. Há um vídeo clássico em que Jon Taffer, empresário e apresentador do programa Bar Rescue, apresenta dois copos de cerveja, um com espuma e outro sem. Ele introduz um guardanapo nos dois copos e o copo com colarinho espuma em excesso. A partir disso, Taffer afirma isso é o que acontece no seu estômago quando você bebe essa cerveja”.

Beba e consuma informações com moderação. Leandro Viu explica que não há necessidade de preocupação. “A cerveja já fermentou quando a gente consome, então ela não vai fermentar novamente dentro da gente.” 

Mas não vá encher os copos de seus amigos de espuma. Mesmo com a importância do colarinho, o Leandro faz uma ressalva: “aproximadamente 1 ou 2 dedos [de espuma] é o suficiente para ter a função de proteção da cerveja”, comenta. “Também não fica uma quantidade exagerada de espuma em relação a quantidade de cerveja, fica proporcionalmente ideal”, encerra.