Todos os meses, chega na casa de Bárbara* um livro, acompanhado de outros chamados mimos literários. Por vezes, uma ecobag, ou um marcador especial, uma case… Ela não faz a menor ideia de qual título a espera – a não ser por algumas dicas que viu nas redes sociais. Só sabe que confia na curadoria dos responsáveis. Depois de passar álcool na caixa e cortar o durex, uma experiência literária a espera. Bárbara pode odiar o livro ou esta pode ser a obra que vai transformar sua vida. É esta a magia de participar de um clube de assinatura de livros.
O que são e como funcionam os clubes de assinatura de livro?
Os clubes de assinatura são uma evolução dos antigos clubes do livro que existiam no Brasil, sendo o mais marcante deles o Círculo do Livro. Criado em 1973, o Círculo era na verdade uma editora que enviava periodicamente aos associados uma revista promocional com seu catálogo e lançamentos. Os assinantes tinham uma quota obrigatória de livros para comprar através dos vendedores, que atendiam a domicílio. Em seus anos áureos, o Círculo esteve presente em 2.850 municípios e tinha 800 mil associados.
Para ter uma noção do tamanho, um dos maiores clube de assinatura de livros do Brasil, a TAG Livros, tem hoje “apenas” 70 mil associados.
De forma geral, os clubes de assinatura funcionam da seguinte maneira: os associados recebem todos os meses uma caixinha com uma edição especial de um livro (muitas vezes ainda não publicado no Brasil) e alguns brindes, chamados mimos literários. Estes brindes variam, mas em geral, tentam agregar à experiência literária, sendo elementos relacionados ao livro.
O que faz as pessoas assinarem clubes do livro?
A curadoria especializada
O grande diferencial mesmo é a curadoria das obras, que varia de acordo com a proposta do clube. Hoje, existem clubes focados em finanças e desenvolvimento pessoal (como o Empiricus Books e o Grow Livros), no público infantil (Leiturinha) e em obras literárias de destaque (TAG, Intrínsecos, Clube do Livro 451) ou clássicas (Clube de Literatura Clássica).
Esta curadoria foi, inclusive, o que convenceu Letícia Cangane a assinar o Intrínsecos. “A curadoria [da Intrínseca] foi uma coisa que eu confiei muito, foi o fator decisivo para eu assinar o livro”, relata. Da mesma forma, Marina Reis também foi convencida por já conhecer a editora: “A Intrínseca é uma editora que tem história na minha vida, eles publicaram vários dos livros que eu mais gosto e eu sabia que já podia confiar na edição, pelo menos”.
E elas não são as únicas. Em seu trabalho de conclusão de curso, Jean Silveira Rossi, pós-graduando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria, realizou uma pesquisa com 450 assinantes da TAG Livros e descobriu que a curadoria foi a principal motivação para que as pessoas assinassem o clube.
O curador depende da proposta do clube. Por vezes, há uma equipe especializada que sai garimpando títulos no Brasil e no mundo para trazer uma novidade para os associados. Em outros momentos, personalidades influentes e escritores são chamados para selecionarem um livro.
O elemento surpresa da caixinha
Mas, além da curadoria, há outros fatores que devem ser levados em consideração. Um deles, que Rossi também descobriu em sua pesquisa, foi o fator surpresa. “Essa questão da surpresa é muito importante pra quem assina, porque você vai ter alguém que te guia de certa forma pra ter uma experiência nova”, explica.
Foi o caso de Luísa Palma, que se associou a um clube de leitura em julho de 2020: “Gostei da ideia de ser algo inédito e ser surpresa. Foi aquela ideia de sair da zona de conforto literária e eu gostei da experiência.”
“Além de eu gostar muito de ler, eu sempre gostei da ideia de ter essa surpresa”, relata também Letícia Cangane, que está há 4 meses no mundo dos clubes de assinatura.
Edições com projeto gráfico único
Outro aspecto que chama a atenção são as edições especiais, que apelam para o senso estético das pessoas. Confeccionadas exclusivamente para os assinantes, as obras se tornam itens colecionáveis. Segundo Leandro Detterborn, gerente de marketing da TAG, o projeto gráfico é uma das coisas que diferenciam o clube e há um esforço constante em sempre trazer edições que agradem esteticamente os associados.
“A gente se orgulha muito das nossas edições, porque elas são sempre muito bem avaliadas. Então, a gente acompanha essas avaliações dos associados, mês a mês. A gente acaba criando também uma inteligência em cima disso pra continuar criando projetos que sejam únicos”, relata.
O Intrínsecos, por exemplo, envia edições sempre de capa dura e monocromáticas, o que acaba incentivando ainda mais o colecionismo. “Como as capas são todas meio que iguais, todas em capa dura na mesma encadernação, só mudando as cores, eu achei que se eu gostasse mesmo e quisesse continuar por um tempo, formaria uma coleção bonita pra exibir um dia em uma estante chique”, conta Marina Reis.
Os mimos literários
Como forma de reforçar a questão da experiência literária, que se diferencia bastante de apenas ir na livraria e comprar a obra, os clubes costumam enviar os chamados “mimos literários”. São brindes variados, que, em geral, têm relação direta com o enredo do livro.
Detterborn explica como funciona no caso da TAG: “Existem os itens que a gente envia extra também, que tem um tempo e um desenvolvimento específico pra cada história”. Além do brinde, o clube também envia uma revista, que tem especialistas de literatura e do mercado editorial que fazem a análise da obra.
No caso do Leiturinhas, um clube voltado para o público infantil, o kit vem acompanhado de brinquedos para montar, jogos educativos e itens para usar no dia a dia. Há casos, como o do Clube de Literatura Clássica, que em alguns meses, envia até mesmo outro livro complementar na mesma temática.
O conteúdo além do livro
Outro diferencial de alguns clubes do livro são a possibilidade de explorar conteúdos além do livro, como conversa com autores, encontros, palestras, podcasts, playlists e até mesmo aplicativos. Estes conteúdos são uma forma de potencializar ainda mais a chamada experiência literária.
Juliana Giardina, que assina a TAG desde agosto de 2020, conta que usa os apps para ler e escrever resenhas dos livros. Já Luísa Palma participa de vários encontros (agora virtuais) e sempre escuta os podcasts.
O sentimento de pertencimento à uma comunidade
Por fim, os clubes de assinatura de livros acabam criando verdadeiras comunidades de leitores, através de seus conteúdos extras e das interações entre os associados. “A questão de assinatura é muito pra trocar essas experiências com outros leitores também. Pertencer a uma comunidade, ter um conteúdo, ter um livro, ter uma edição, uma capa diferente, tudo diferente do mercado, do que encontra na livraria”, resume Rossi.
Para Dettenborn, o gerente de marketing da TAG, a comunidade dos associados é o maior diferencial do clube. “Tem toda a experiência mesmo de comunidade que é muito legal, a gente valoriza muito e eu acho que ele seria até o nosso principal diferencial, porque o nosso sonho sempre foi revolucionar a relação das pessoas com com os livros. E isso acabou indo, se transformando, na verdade, em transformarem a relação de pessoas com pessoas através dos livros.”
De fato, a comunidade dos chamados “taggers”, conectados principalmente através dos apps criados pela empresa, foi além da discussão dos livros. Já se uniram para pagar a cirurgia de um associado, deram uma assinatura de presente para um associado que estava sem dinheiro e já até rolou um pedido de casamento na sede da TAG, em Porto Alegre.
Mercado editorial em crise
Em tempos em que se fala tanto da crise do mercado editoral, com o fechamento de grandes livrarias, crescimento do e-commerce e até mesmo uma substituição da leitura por outras formas de entretenimento, os clubes de assinatura de livros poderiam parecer, à primeira vista, um negócio fadado ao fracasso.
Mas este não é o cenário. Primeiro porque os diferenciais que oferecem em relação à simples compra na livraria são cativantes e incentivam as pessoas a assinarem. E segundo porque, de certa forma, os clubes são também uma forma de ajudar o mercado.
Para Jean Silveira Rossi, uma das ajudas mais claras é a “venda certa” que as editoras fazem para os clubes, já que a maioria das empresas de assinatura não são editoras de fato, mas sim “distribuidoras”. Se um clube tem 10 mil associados, são 10 mil livros que serão produzidos pela editora e enviados pelo clube. “Para as editoras nesse mercado atual, é bem interessante, é bem tentadora essa proposta de você saber que já vai vender um número certo”, explica o pesquisador.
Além disso, ao enviar os livros primeiro para um certo grupo seleto de leitores, as editoras conseguem ter um feedback mais certeiro da recepção daquele livro, já que os associados acabam escrevendo resenhas e até mesmo divulgando o livro entre amigos e nas redes sociais. “Já tem de certa forma uma preparação de terreno pras editoras fazerem novas estratégias”, diz Rossi.
Em julho de 2018, por exemplo, a TAG enviou o livro “Fique comigo”, da escritora nigeriana Ayòbámi Adébayó. O livro, que ainda não tinha sido publicado no Brasil e teve uma edição exclusiva feita para os “taggers”, acabou sendo um grande sucesso entre os leitores. Em outubro do mesmo ano, a editora HarperCollins lançou uma edição para o público geral, que foi muito bem recebida.
Os clubes de assinatura ainda têm espaço para crescer no Brasil?
Para Rossi, ainda há muito espaço para o surgimento de outros clubes. “Tem muitos nichos, por exemplo, livros LGBT+ ou de outras temáticas. Eu vejo bastante potencial desde que seja um negócio rentável, que tem um preço bacana, que saiba qual vai ser o seu público alvo.”
A pesquisa Retratos da Leitura considera leitor aquela pessoa que leu pelo menos um livro nos últimos três meses. Segundo a última edição da pesquisa, lançada em dezembro de 2020, a média de livros inteiros lidos pelos brasileiros foi de 2,55. Esse cenário explica um pouco por que Leandro Dettenborn, da TAG Livros, acredita que o primeiro passo para o crescimento dos clubes de assinatura é, na verdade, a formação de leitores.
“A gente tenta trazer e formar novos leitores, não só pessoas que tem reforçar o hábito da leitura, mas pessoas que querem dar aquele primeiro passo. O clube de leitura é um convite. Então, eu acho que o desafio é este: fazer com que mais pessoas aceitem esse desafio que é realmente colocar o livro na sua rotina. A partir deste momento, a gente vê um mercado, ainda, que tem muito pra crescer, tem muito pra se desenvolver”, comenta Dettenborn.
Um dos possíveis impedimentos para que os clubes de assinatura de livros cresçam ainda mais no Brasil é o fator preço. A média de assinatura é R$ 45, somados aos custos do frete. Renata Souza começou assinando a TAG por seis meses, mas interrompeu a assinatura por um tempo por causa do preço. Por perceber que tinha reduzido seu volume de leitura, decidiu voltar a assinar. Já Letícia Cangane hesitou bastante antes de realizar a assinatura do Intrínsecos por causa do valor da caixinha literária somado ao frete.
Clubes de assinatura de livros na pandemia
Embora a pandemia tenha sido fatal para diversos negócios, os clubes de assinatura se beneficiaram: segundo a BetaLabs, em 2020, o setor cresceu 60% mais do que ano anterior, sendo que 27% desse crescimento foi na área de leitura.
Na opinião de Luan Gabellini, sócio-diretor da empresa que realizou a pesquisa, “os clubes de assinatura têm um modelo de negócio que se adequou perfeitamente à realidade imposta pela pandemia. A pessoa consegue receber seus produtos preferidos no conforto de sua casa, sem se expor em aglomerações de supermercados, e com toda a facilidade que a internet oferece.”
A TAG Livros, por exemplo, cresceu de 40 para 70 mil associados desde janeiro de 2020. Para o gerente de marketing do clube, dois fatores podem ter influenciado fortemente esse crescimento: a vontade de conhecer novas histórias, enredos e autores e também a necessidade de ocupar o tempo livre de uma forma mais produtiva.
O exemplo de Marina Reis, que passou a assinar o Intrínsecos na pandemia, mostra bem essa realidade: “Nesse momento em que tudo é tão previsível e os dias parecem meio iguais porque são todos ou quase todos passados em casa, é divertido saber que todo mês eu vou receber uma caixinha com um livro surpresa e mimos literários.”
Aconteceu a mesma coisa com Luísa Palma, que relata que o gosto pela leitura e o maior tempo livre em casa na pandemia a deixaram em um cenário propício para assinar e experimentar um clube de leitura.
Vale a pena assinar um clube de livros? Uma visão pessoal da autora
Envolvida na concepção desta reportagem, conversando com diferentes assinantes, acabei me vendo convecida de testar um clube de assinatura. A leitura é uma parte muito grande da minha vida e achei que seria interessante testar essa tal “experiência literária”.
Resolvi pela TAG Inéditos, por afinidade com o tipo de livro enviado: geralmente, best-sellers internacionais viciantes. Optei pelo plano mensal, que é mais caro mas não tem fidelidade e pode ser cancelado sem custos extras. Não sabia se iria gostar, de fato.
A caixinha retangular e com detalhes desenhados chegou em minha casa logo no primeiro dia de julho e fiquei surpreendentemente mais animada do que previ. Até meio eufórica, eu diria. Nela, uma ecobag especial comemorativa dos 7 anos da TAG, a pequena revisitinha literária, um encarte em que eu poderia marcar quais “etapas” da experiência literária eu tinha completado, um recadinho sobre a escolha do livro e por fim, um livro multicolorido envolto em uma luva também colorida e vibrante. O livro foi o vencedor do prêmio Goodreads em 2020 e não foi lançado no Brasil ainda. O enredo me cativou, assim como todo o resto.
Baixei o app, ao qual tenho algumas críticas relacionadas à funcionalidade, mas já achei bem interessante. Para quem lê o livro da caixinha de fato; caso contrário, ele pode ficar um tanto quanto obseto. Por 20 minutos, me vi rolando o “feed” com postagens e comentários variados dos assinantes (alguns relacionados à leitura, outros não).
Estou particularmente ansiosa para ler as resenhas do livro, assim que terminá-lo. E pode ser que eu até escreva a minha própria.
Não posso decidir por você se vale a pena ou assinar um clube de livros (e nem tenho pretensões de fazê-lo). Mas esse mês trocarei minha assinatura mensal pela anual.
*nome fictício; personagem inspirada nas fontes da reportagem
Por Maria Eduarda Nogueira (@meduardanog) / mariaeduardanogueira@usp.br