Ginecologia natural: empoderamento feminino ou mistificação do corpo?

Maria tinha apenas 11 anos quando desceu sua primeira menstruação. Foi um grande susto, afinal, acabara de largar as bonecas e agora ouvia de todos que era “mocinha”. O sangue na calcinha tornava a menina algo que ela não queria ser – não tão cedo. Aprendeu a odiar seu corpo e tudo que o acompanhava. Maria não nos deu entrevista. Na verdade, ela nem sequer existe; mas mora dentro de nós, autoras desta reportagem, e de outras bilhões de mulheres espalhadas pelo mundo. 

Logo após a menarca, como é chamada a primeira menstruação, a garota deve aprender uma série de coisas: como se lavar corretamente, qual absorvente usar, qual a roupa mais confortável e com menos risco de manchar durante este período, quais os remédios utilizados para cólica e até mesmo como esquentar a bolsa de água quente para os dias mais complicados. Claro, o ciclo menstrual e tudo que integra a reprodução humana é ensinado nas salas de aula, mas nada se compara a vivenciar isso na prática. 

Outra coisa que nem sempre se aprende na escola é sobre a primeira consulta ginecológica. Até então, o médico considerado comum pela garota era o pediatra, que se dedica aos cuidados da criança e do adolescente. De repente, a menina está em uma sala com uma pessoa na maioria das vezes desconhecida e aparentemente (muito) enxerida: quando foi seu último ciclo? Tem casos de “insira aqui alguma doença” na família? Apresenta muito corrimento? Já teve sua primeira relação sexual?

O pior vem depois, quando é pedido para que a paciente abaixe as calças e levante a camiseta, permitindo que o médico realize os chamados exames de toque. Traumático? Para muitos sim, mas necessário para a saúde feminina. 

Infelizmente, nem todas as mulheres compreendem a importância do acompanhamento ginecológico. Talvez por medo ou simplesmente por conveniência, muitas têm procurado a internet para fazer queixas e procurar por respostas que seriam facilmente encontradas nos consultórios. Dentro de um grupo privado no Facebook intitulado Ginecologia é possível encontrar prints de exames como transvaginal, papanicolau e mamografias esperando pelo diagnóstico de outras usuárias. Perguntas sobre gravidez, infecções sexualmente transmissíveis e até medicamentos como anticoncepcionais e antifúngicos também são encontradas no fórum. 

A situação se repete na rede vizinha, o Instagram. A diferença é que, por lá, as pessoas escolhem seguir uma “mentora”, que seria a dona da conta. Na rede, é possível encontrar, inclusive, um segmento da ginecologia diferente daquele a que estamos acostumados: é a dita ginecologia natural. Apesar de traduzir saberes ancestrais, a prática se popularizou a pouco tempo. Como escreveu Heloisa Noronha em reportagem para o UOL, parte da relevância conquistada na América Latina se deve ao lançamento do livro “Manual de Introdução à Ginecologia Natural”, da chilena Pabla Pérez San Martín, em 2015. 

Esta terapia holística valoriza o autocuidado da mulher e sua relação com o próprio corpo, tratando não apenas sintomas, mas a paciente por completo. Carolina Lana, monitora da página @curandeirasdesi, conta durante uma chamada de vídeo que largou a faculdade de direito para seguir carreira na ginecologia natural. Hoje, possui 138 mil seguidores no Instagram e oferece cursos sobre a prática.

Ela explica que conheceu a modalidade devido ao seu período menstrual conturbado, com muitas cólicas, dores no corpo e uma TPM exacerbada. “Foi em 2013 que eu encontrei um espaço holístico através do meu estágio na época. Eu comecei as práticas por lá e comecei a fazer cursos, como o de fitoterapia. Eu quis me aprofundar e, de repente, eu já não me identificava mais com o direito.” Carolina se tornou terapeuta holística, o que significa que trataria as pessoas não apenas considerando seus sintomas, mas sim todos seus aspectos físicos, culturais, psicológicos e sociais. Logo depois, faria um curso voltado especificamente para a ginecologia natural, e logo criaria sua página na internet. 

A terapeuta conta que buscou por médicos na época, mas se sentiu incomodada pela insistência deles em prescrever anticoncepcionais. Além disso, as consultas não eram satisfatórias para Carolina: “Muitas pessoas mandam mensagens falando sobre a falta de humanização do médico. Elas dizem que sentem dores intensas e que o médico responde que é exagero sem nem procurar saber o que está acontecendo ou investigar. Foi o que eu vivenciei na época. Das poucas vezes que eu precisei ir ao consultório e pelas mensagens que recebo, falta um pouco esse olho no olho, essa humanização, além da indicação excessiva de anticoncepcional.”

Foi também por causa do anticoncepcional que Lissa Nascimento, moderadora da página de Instagram @cuidobemdemim, chegou à ginecologia natural. “Eu tomei anticoncepcional por doze anos. Então, mais ou menos em 2015 ou 2016, começou a sair um boom de pesquisas sobre os efeitos nocivos da pílula. Antes, eu achava que não tinha perigo, mas comecei a ler bastante e resolvi parar. Eu queria fazer as coisas de uma forma natural e minimamente segura, ainda considerando relacionamentos – queria parar com o anticoncepcional, mas sem substituir por outro meio hormonal ou invasivo”. 

Lissa, mestre em serviço social e até então professora universitária, descobriu os cursos de ginecologia natural e resolveu adentrá-los. Estudou também Ayurveda, uma terapia milenar indiana, e se especializou em saúde da mulher e da criança. Hoje, aborda os temas nas redes sociais e se descreve como terapeuta holística. 

Apesar das recomendações de Lissa e Carolina nas redes sociais atraírem uma legião de adeptas, alguns fatores podem ser questionados do ponto de vista científico. A prática da ginecologia natural não é regulamentada e não há comprovação científica de seus benefícios para o corpo da mulher. 

Uma das técnicas popularizadas pela internet é a vaporização do útero: neste procedimento, a pessoa faz uma mistura de ervas e água quente dentro de uma bacia e direciona aquele vapor para sua região íntima. De acordo com Lissa, o procedimento possibilita uma limpeza das memórias uterinas, as quais podem estar prejudicando a saúde física e mental da mulher sem que a mesma perceba. “Às vezes você tem uma memória no seu útero e nem sabe qual é, mas ela está provocando uma falta de lubrificação, dores etc. A vaporização vai lá e ajuda a liberar aquela memória para que você tome consciência e entenda o que está se passando. Por isso a ginecologia natural é uma terapia.”

A terapeuta usa como exemplo a infecção urinária. Adotemos agora outra personagem fictícia, chamada de Beatriz. Bia é uma mulher empoderada, e vive há anos em um relacionamento saudável. Nada parece ruim em sua vida, mesmo assim, ela convive com dores constantes na bexiga e exames positivos para infecção urinária. Beatriz acha que vive em uma relação perfeita, mas talvez nutra algum tipo de raiva pelo marido, especialmente durante a relação sexual. Lissa explica: “A infecção urinária aponta muito para uma raiva do masculino. Talvez você tenha raiva de algo que seu companheiro faz, mas não consegue falar para ele ou já tentou e não funcionou. Você continua transando com raiva mesmo, as vezes até esqueceu que tem raiva daquilo, só que seu corpo não esqueceu.”

Caso tudo esteja realmente bem no relacionamento de Beatriz, outra possível explicação é  que Bia carrega no útero uma série de traumas de suas ancestrais. Lissa conta que, segundo a ginecologia natural, o útero abriga memórias de até sete gerações de mulheres. O que significa dizer, basicamente, que traumas sofridos por suas antepassadas há 200 anos, e nunca resolvidos, poderiam refletir na sua saúde ginecológica e engatilhar condições como candidíase e infecções recorrentes, mesmo que você sequer tenha ouvido o nome da aparentada algum dia.

Em um passado nada amigável às mulheres, talvez a avó da trisavó de Bia tenha sido estuprada por um homem influente, a tataravó foi forçada a se casar com alguém com o triplo de sua idade, sua avó tenha sofrido um aborto violento ou até mesmo a sua mãe tenha vivido um relacionamento abusivo e nunca pudesse dizer não ao marido. Todas essas memórias, dizem as terapeutas, passariam para Bia através das paredes uterinas.“Se eu não sofri um abuso, um estupro ou alguma coisa desse tipo, alguma ancestral minha sofreu”, aponta Lissa.

Para ajudar mulheres a se livrar dessas memórias, Carolina, que também possui um canal no Telegram, organiza constantemente vaporizações coletivas, em que seus seguidores podem acompanhar e seguir o processo por meio de uma transmissão ao vivo no YouTube. Pelo aplicativo de mensagens, a terapeuta passa os ingredientes a serem utilizados – como artemísia, dente de leão e manjericão –, programa o horário e explica também as contraindicações, que inclui pessoas com endometriose, com ciclos longos e intensos ou que estejam próximas da menstruação, já que a vaporização intensifica o fluxo. Um escalda pés é sugerido como alternativa para que ninguém fique de fora. Mas nem tudo são flores: é necessário tomar cuidado para não sofrer queimaduras ao aplicar a técnica de maneira errada. As próprias terapeutas recomendam que todas as intervenções sejam feitas de forma guiada, e não por conta própria. 

Se você acompanha o Twitter, talvez já tenha se deparado com outra polêmica relacionada à ginecologia natural: o chamado OB de alho. Algumas mulheres chamaram atenção na internet após exporem que estavam colocando pedaços do alimento na vagina. Lissa explica que o uso do alho também se encaixa em uma espécie de limpeza espiritual, ajudando a quebrar vínculos que não acrescentam na vida da pessoa. Além disso, o alimento possui potencial antifúngico e antiinflamatório, e é bastante conhecido por curandeiros. 

Vale deixar claro que a inserção do alimento na vagina pode causar queimaduras. A ginecologista Daniele Duarte, que também produz conteúdo científico em suas redes sociais (@danielec.duarte), afirma que “na região genital, menos é mais”. A médica explica: “tudo que envolve introdução de alimentos ou coisas do gênero, depilação, sabonete íntimo, desodorante íntimo, perfume íntimo, eu sou contra. A gente não faz essas coisas na nossa boca ou no nosso nariz, mas aí a mulher precisa fazer tudo isso em sua região íntima?”.

Apesar disso – ou talvez justamente por isso – Daniele considera a ginecologia natural uma coisa ótima: “passamos por uma fase em que, por exemplo, as pílulas eram enaltecidas. Entendo que isso faz parte da revolução, da independência da mulher. Virou aquele máximo de que todo mundo tem que tomar pílula e a pílula é a solução para todos os problemas. E com esses movimentos de ginecologia natural,conseguimos ver cada vez mais pacientes no consultório falando, ‘não, não quero tomar a pílula, me arrume outra coisa para tratar esse problema. Isso é uma coisa boa, um movimento bom, de empoderamento da mulher na hora de fazer o cuidado feminino. Então ela já vem na consulta propondo o que ela aceita e o que ela não aceita.”

Consultamos também Juliany Nascimento, médica ginecologista e moderadora da página de Instagram @ginecologistasincera. Ela não apoia o tratamento de problemas físicos por parte das terapeutas. Acredita que a prática possa ser utilizada como complemento, um tipo de tratamento emocional, mas não como um tratamento clínico. 

“Eu posso perguntar para uma mulher que está com endometriose se tem algum fator para que ela não queira ter filhos e dizer que, talvez, inconscientemente, ela esteja se auto sabotando. Mas eu sou obrigada a pedir um ultrassom transvaginal com mapeamento. E se ela tiver qualquer alteração intestinal, eu tenho que pedir uma pesquisa de sangue oculto, talvez uma colonoscopia. E se ela tiver sangue na urina, eu tenho que pedir uma cistoscopia porque ela pode ter uma invasão de bexiga. Algum ‘ginecologista’ emocional vai descartar uma invasão de intestino?”.

As aspas usadas por Julianny na palavra ginecologista são propositais. Formada em medicina e adepta de uma ginecologia mais humanizada, mas pautada pelos princípios da ciência, ela aponta que chamar pessoas sem formação médica de “ginecologistas naturais” é um erro. “Isso para mim não passa de exercício ilegal de medicina.”

A médica ainda trás um ponto importante para a discussão: por que apenas a saúde da mulher é terceirizada a elementos místicos e tratamentos sem comprovação científica? O mais próximo disso seria a homeopatia, que usa medicamentos naturais como tratamento, mas mesmo esta é feita por um médico formado e é reconhecida como uma especialidade da medicina em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, justamente por aliar a fitoterapia com elementos científicos. Porém, vale ressaltar que a homeopatia, apesar de permitida, também não têm comprovações científicas. 

“Eu duvido que alguém com dor de cabeça e sinais de alerta vá procurar um neurologista quântico ou um psicólogo para lidar com as emoções enquanto não consegue nem abrir o olho de dor. Também nunca vi um oftalmologista quântico, cardiologista emocional, mas uma mulher com uma cólica descomunal, que pode ser uma endometriose, uma infiltração de bexiga, vai lá fazer vaporização. A gente acha que está se empoderando e, na verdade, as mulheres estão ficando desassistidas mais uma vez.”

Juliany e Daniele foram brevemente citadas acima, mas vale conhecer um pouco mais sobre a história de ambas. Daniele possui formação em medicina pela Universidade de São Paulo (USP), onde também realizou suas duas residências, em ginecologia e obstetrícia e mastologia. A última especialização, inclusive, foi finalizada recentemente, em fevereiro deste ano.

Juliany é formada em medicina pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e, em 2004, fez residência para se especializar em ginecologia e obstetrícia na Maternidade Carmela Dutra, em Florianópolis, onde ficou até 2007. Em 2011, Juliany teve dois filhos, e conta que o parto foi traumático. Por conta disso, resolveu envolver-se com o parto humanizado. 

A ginecologista conta que, em 2015, resolveu criar uma página profissional nas redes sociais após receber mensagens no Facebook de uma paciente em sua conta pessoal. O problema? O relógio já marcava uma hora da manhã às vésperas de um feriado. Juliany migrou para o Instagram em 2018 pois, de acordo com ela, era época de eleição e a médica “não aguentava mais o Facebook”.

Fora do consultório de médicos especializados, a ginecologia natural pode ter seus riscos. Mais do que práticas sem comprovação ou eventuais queimaduras, o maior problema que reside na prática é seu potencial de adiar tratamentos necessários para patologias mais sérias que passam despercebidas, ou doenças inicialmente simples cujo tratamento errôneo pode evoluir para quadros mais graves. “Um corrimento que, pode ser uma gonorreia, vai chegar pra mim como uretrite, uma infecção urinária, pode chegar já como um abscesso pélvico, uma infecção renal”, alerta Juliany.

Isso preocupa até mesmo as próprias terapeutas, que às vezes precisam lidar com a resistência das pacientes em procurar um médico especializado quando as opções alternativas não surtem efeito. Lissa explica que a ginecologia natural não dá diagnósticos, e que é preciso trabalhar em conciliação com a medicina. “É interessante que as mulheres passem por uma médica ginecologista, uma coisa não deve excluir a outra. Nenhuma medicina tradicional e milenar tem a tecnologia da ciência moderna, então a gente precisa aproveitar isso também.”

Ela cita o exemplo de uma paciente indígena que atendia e que acabou sofrendo um aborto espontâneo. Com a perda da criança, a mulher se sentia fraca, e ligou para pedir ajuda. Questionada se havia ido ao hospital, Lissa conta que ela se surpreendeu com a pergunta “ela não esperava que eu dissesse isso por achar que eu era contra hospital”. 

Ao ver que os olhos da moça estavam pálidos, a terapeuta alertou que poderia ser uma anemia pela perda de sangue, e pediu para que ela se dirigisse ao hospital e fizesse os procedimentos médicos necessários. “Quem acredita nas terapias naturais não quer mais acreditar na medicina tradicional, e não é bem assim. É preciso ter um certo bom senso.”

Mas a resistência das mulheres à ginecologia tradicional também não surgiu do nada. Em 2016, o site Catraca Livre fez uma pesquisa com 700 mulheres e descobriu que mais da metade delas, 53%, já haviam sido vítimas de abuso sexual ou moral por parte de ginecologistas. Os abusos incluem toques inapropriados, comentários machistas, a imposição de medicamentos sem muita ponderação, entre outras coisas.

O início dessa cultura remonta à criação da própria ginecologia, no século XIX. Considerado o pai da especialidade, o americano James Marion Sims deu os primeiros passos na ginecologia aos custos do sofrimento de mulheres negras, com experimentos que dariam inveja ao regime nazista. 

Lucy, a primeira delas, foi submetida a cirurgia sem anestesia e desenvolveu uma infecção que quase a levou à morte pela falta de higiene do procedimento. Em sua biografia, o médico, que teve a estátua retirada do Central Park em 2018, disse que “sua agonia era extrema” e que achou que ela não fosse resistir. 

Lucy e outras seis escravas foram oferecidas por seus senhores aos experimentos, e submetidas a mais de 30 tentativas de cirurgia até que o médico fosse bem-sucedido. E embora os tempos da escravidão tenham ficado para trás, a cultura do abuso faz parte da ginecologia até hoje, e têm afastado mulheres dos consultórios.

“Por muitos anos o corpo da mulher foi considerado como algo que veio com defeito. A gente não sabe menstruar, então nos dão anticoncepcional ainda na infância, a gente não sabe como não engravidar, então precisamos de anticoncepcional para sempre, como se fosse o único método contraceptivo, quando tem filho, você não sabe parir, então precisa de cesárea, depois de laqueadura”, explica Juliany, que procura ter uma abordagem humanizada da ginecologia em seu consultório. 

Justamente por isso, ela não é contrária à técnicas naturais que possam oferecer algum conforto: caso a mulher esteja com candidíase e opte por tomar chá, fazer vaporização, entre outros procedimentos, não tem problema – desde que junte isso a uma mudança na dieta. Procurar por antifúngicos vendidos em farmácia sem receita médica também é permitido, mas é importante ficar de olho se a infecção não retorna com frequência. “Às vezes, essa mulher vive com HIV e nem sabe. Ela também pode ser celíaca, intolerante à lactose ou pode ter alguma outra questão”.

Existe ainda outra prática comum da ginecologia natural, essa não necessariamente ligada à saúde, em que as fases da lua são relacionadas ao ciclo menstrual. A lua passa por quatro fases, nova, crescente, cheia e minguante, as quais estariam relacionadas com as fases do ciclo menstrual, menstruação, pré-ovulatória, ovulatória e pré-menstrual. Entram ainda as quatro estações do ano, inverno, primavera, verão e outono, além de quatro arquétipos de mulheres, que são a anciã, a donzela, a mãe e a feiticeira. 

Vamos entender melhor essa história: a fase da menstruação é relacionada à lua nova, menos visível no céu noturno. Neste período, a mulher estaria mais fraca e introspectiva. Do ponto de vista místico, é ainda um momento em que a pessoa está mais intuitiva e deve se atentar aos sonhos. O período pré-ovulatório é relacionado com a lua crescente, pois o astro se enche de luz e a mulher transborda energia. Este seria o momento para correr atrás de suas metas. A fase ovulatória relaciona-se à lua cheia, e é marcada pela extroversão e autoestima. Um momento ideal para se comunicar. A fase pré-menstrual vai de encontro à lua minguante, quando a energia começa a sumir. Este seria um momento de sensibilidade e autocuidado. 

Aos mais céticos, a explicação parece diretamente saída de um livro de fantasia, mas vêm sendo alvo de pesquisas sérias. Recentemente, um artigo publicado no Science Advances indicou que o ciclo menstrual de algumas mulheres pode sim estar sincronizado com a lua em algumas fases da vida, mais precisamente, sendo influenciado pela quantidade de iluminação lunar e força gravitacional que o astro emite em cada fase.

Para chegar a esta conclusão, foram analisadas 22 mulheres que anotaram a data de início da menstruação por um período médio de 15 anos, e em idades variadas. Avaliando as seis que mantiveram registros de tempo mais longos – entre 19 e 32 anos – os pesquisadores notaram que cinco delas tinham ciclos que se sincronizam com a lua de tempos em tempos. “Quando as datas de uma mulher eram combinadas, havia uma associação significativa entre o início da menstruação com a lua cheia e a lua nova, mas não com outras fases do ciclo lunar”, diz o artigo. 

No caso das oito que registraram a data por menos tempo, seis tiveram o mesmo resultado, também válido para os períodos da lua cheia ou lua nova. Os pesquisadores também descobriram que a duração média dos ciclos menstruais em mulheres até 35 anos é de 29,4 dias, contra 26,3 para as mais velhas. Como os ciclos das mulheres mais jovens têm uma duração mais próxima do ciclo lunar de 29,5 dias, o início da menstruação das mulheres mais jovens sincroniza-se com a lua nova ou cheia 23,% das vezes, enquanto a coincidência para mulheres mais velhas é de apenas 9,5%.

“O estudo não resolveu completamente o debate, mas é muito legal que isso dê um novo ânimo a toda a discussão sobre a lua estar ou não afetando a biologia humana”, opinou Kristin Tessmar-Raible, bióloga da Universidade de Viena em entrevista à revista The Scientist.

Vale lembrar, porém, que mesmo que a influência da lua sobre o ciclo menstrual realmente exista, há explicações completamente científicas e racionais para as mudanças de humor e de disposição que as mulheres sentem ao longo do mês: a montanha russa emocional, mais do que qualquer explicação mística, se deve ao sobe e desce dos hormônios femininos, responsáveis pela menstruação.

O ciclo menstrual possui duas fases: Folicular (antes da liberação do óvulo) e lútea (depois da liberação do óvulo). Durante a fase folicular, há um aumento nos níveis de estrogênio, hormônio relacionado às características femininas. Essa mudança faz com que a pessoa se torne mais ativa, tenha mais energia e fique mais disposta a praticar exercícios físicos, por exemplo. Já na fase lútea, o hormônio predominante é a progesterona. Nesta época, é comum ficar mais inchada, sonolenta e com o humor mais instável. 

A própria Juliany brinca que adora sincronizar sua menstruação com as fases da lua. “Minha escala de plantão é toda feita de acordo com o meu ciclo menstrual. Para que eu vou querer dar plantão na TPM? Exausta, com a progesterona lá embaixo, que eu não consigo nem ficar em pé. Três horas da manhã e eu já estou morrendo! Eu vou aproveitar meu estrogênio, meu pico de testosterona para trabalhar, para depois ficar bem descansada. Então, assim, conhecer o ciclo menstrual é super importante. Porém, não é só isso que vai fazer a mulher ficar toda linda, perfeita, maravilhosa e vai dar tudo certo. Tem toda a questão da alimentação, atividade física que auxilia na redução de estresse etc”.

Erica Bomfim, uma comerciante de 34 anos que conhecemos pelos grupos de ginecologia natural do Facebook, conta sobre sua relação conturbada com medicamentos. Desde pequena, foi ensinada pela mãe que remédios químicos eram sinônimos de efeitos colaterais indesejados. Ela explica que nunca fez vaporização do útero ou nenhuma das outras práticas citadas no texto, além de não compreender tanto sobre a relação entre a menstruação e o místico. “Talvez eu não seja uma pessoa tão avançada nessa área.”

O negócio de Erica são os medicamentos naturais. “Eu sempre pesquiso antes de utilizar. Se eu utilizo alguma coisa e não me dá resultado, eu continuo pesquisando. Mas eu também não uso qualquer coisa. Eu sempre pesquiso qual é a linha que existe entre aquilo. Eu sei que os remédios tradicionais, os remédios químicos, são feitos a partir de produtos da natureza, mas passam por uma manipulação. Nós podemos encontrar as substâncias naturais em ervas e outros alimentos.”

Enquanto tomar um cházinho outro e manter visitas regulares ao ginecologista dificilmente fará mal à saúde, o capitalismo têm surfado na onda da ginecologia natural para oferecer produtos questionáveis, que prometem resultados milagrosos com combinações exageradas de ervas encapsuladas e elementos sem qualquer tipo de comprovação.

Uma pesquisa rápida no google pelo termo “acento vaporização uterina” exibe uma série de resultados. Os banquinhos, que costumam ter uma abertura no formato de uma vulva no centro, variam, em média, entre 100 e 200 reais, mas alguns modelos podem atingir valores mais salgados, de até 600 reais. Há ainda desodorantes vaginais para inibir odores naturais, hidratante íntimo, e uma série de outros produtos que podem, inclusive, alterar o PH da vagina e tornar a região propícia a infecções, além das muitas opções de cápsulas de erva, alho e óleos vendidas sem qualquer controle.

O mercado que se formou ao redor das crenças femininas é reprovado pelos médicos, que alertam para o perigo de utilizar substâncias desconhecidas, ou de qualidade questionável, na vagina. Mas ele também não é visto com bons olhos por algumas terapeutas, que vêem nisso uma massificação que ameaça a prática da própria ginecologia natural.

“Tudo o que é industrializado e se transforma em algo de uso indiscriminado, perde o poder de cura”, explica Lissa. “A gente precisa estar sempre alerta porque eu até receito cápsulas para mulheres, mas a gente faz um processo de desintoxicação junto, reorganiza a alimentação, indica exercícios”.

A terapeuta ainda explica que medicações milagrosas que apresentam uma combinação com uma variedade muito grande de ervas não costumam ser efetivas, já que o tratamento precisa ser algo individualizado. “Duas ou três até vai, e quando é mais que isso, elas precisam ter proporções muito específicas para funcionar bem”.

Uma outra pesquisa, desta vez pelo termo “cursos ginecologia natural”, entrega quase 20 milhões de resultados no google. A profissão não é regulamentada, o que atrapalha o controle sobre o que é oferecido e prometido aos alunos. Apesar de concordar que a regulamentação daria mais segurança a quem busca a ginecologia natural, Lissa aponta que há um lado positivo na falta de regras pré-estabelecidas: “isso permite que a gente conserve a essência desses saberes holísticos, que são pautados em outros paradigmas, sem ter que adequá-los ao modelo científico moderno”.

Por conta dessa falta de fiscalização, e especialmente por uma questão preventiva, é importante que as mulheres não abandonem os consultórios médicos. Exames ginecológicos não devem assustar, mas sim serem tão valorizados quanto endoscopias, colonoscopias, exames de sangue, ressonâncias, entre outros. Sempre existirá profissionais ruins, mas isso não exclui a existência de médicos bons e interessados em oferecer o melhor ao paciente. Ou seja, busque por alternativas. 

Ao mesmo tempo, a ginecologia natural, que na verdade deve ser descrita como uma terapia complementar, deve ser feita como acompanhamento, e não medida única. Além disso, é necessário deixar claro que nem todas as práticas funcionam para todos os tipos de pessoas, e não devem ser feitas sem supervisão. Respeite seu corpo e os limites dele. E, claro, se os problemas persistirem, procure um médico especializado.

Por Amanda Capuano e Carolina Fioratti