“Foi meio estranho, eu me senti desconectado do mundo, sabe? Ali era onde eu encontrava tudo de importante para mim”. Não foi o fim do universo, mas quase – de um universo particular. Para o estagiário Yago Custódio, de 23 anos, a suspensão do Twitter/X interrompeu um importante fluxo de atualizações sobre o mundo, notícias sobre jogos e cultura popular.
Durou exatos 1 mês e 8 dias e começou na madrugada de 31 de agosto de 2024, pouco depois da meia-noite. Por ordem da Justiça, uma das plataformas mais populares no Brasil, o Twitter/X, foi suspensa em todo o território brasileiro.
A suspensão era fruto de uma decisão judicial do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Ela surgiu após o ministro determinar que Elon Musk, proprietário da plataforma, indicasse um representante legal para o X no Brasil em um prazo de 24 horas.
Caso a ordem não fosse cumprida, a plataforma seria bloqueada. Musk, por sua vez, respondeu publicamente, no próprio X, afirmando que não acataria a exigência judicial e aceitaria o bloqueio da rede no país.
A decisão gerou um impacto imediato entre os usuários brasileiros. Na tarde de sexta-feira, diversos usuários já compartilhavam mensagens de “despedida” na plataforma, lamentando a iminente suspensão.
Aianne Amado, doutoranda em Ciências da Comunicação da USP, descreveu que houve uma grande comoção na rede, com pessoas se despedindo de seus amigos e até usuários internacionais lamentando a saída dos brasileiros. Muitos deles descobrindo naquele momento que suas contas favoritas, na verdade, pertenciam a nossos conterrâneos.

Amado, que também é uma usuária assídua da plataforma, observou que o bloqueio representou uma grande perda para muitos, que viam no X um espaço essencial de interação e informação.
Entre esses usuários, Yago Custódio, de 23 anos, relatou sua experiência durante toda a sexta-feira, quando a suspensão já parecia inevitável.
Desconectados do mundo?
Vivian Lemes, mestre em Psicologia pela USP, afirma que as redes sociais não são apenas ferramentas de comunicação, mas funcionam como uma extensão da vida dos usuários, refletindo seus pensamentos, memórias e aspirações.
O bloqueio do X no Brasil teve um impacto profundo nos usuários, que, nas palavras de Lemes, se sentiram “castrados discursivamente”. Ela explica que, sem esse espaço, muitos perderam a possibilidade de encontrar um “lugar de legitimação”, um ponto de apoio nas palavras e ideias dos outros, o que levou a uma sensação de isolamento e até mesmo de “vazio”.
O X, em particular, favorece uma interação mais intensa e profunda com o público, diz Amado. O seu formato de mini-blog e a capacidade de acesso a conteúdos além do círculo de seguidores garante isso. “Os aplicativos como Instagram e Facebook não conseguem esse nível de engajamento”, afirma ela.
“Encontrar pessoas que pensam como você, compartilhar experiências, trajetórias e expectativas é muito bom. Sentir-se parte de algo é importante”, afirma Luis Mauro Sá Martino, professor na Faculdade Cásper Líbero.
Martino também acrescenta que há uma importância na criação de comunidades e no fortalecimento de grupos que se encontram pelo mundo. Eles reivindicam seus espaços de fala e reconhecimento.
“As redes sociais estão aí, fazem parte da vida de qualquer ser humano que está inserido na web. É uma forma de aproximar pessoas, de comunicar e promover informação”, diz Lemes. “O uso delas é determinado pela indústria e pelas interações que acontecem dos sujeitos nesses espaços, que podem ser boas ou ruins”.
A pesquisadora diz que o principal desafio está na falta de regulamentação e governança online. Para ela, a ausência de leis e punições adequadas para crimes digitais agrava o problema, como ficou evidente no caso do X, que acabou sendo suspenso no Brasil justamente por isso.
Essa situação refletiu apenas a necessidade de um equilíbrio entre liberdade de expressão e responsabilidade.
O lado mais obscuro do X
Yago conta que, apesar de ter sentido falta do X durante o mês em que a plataforma ficou fora do ar, também experimentou um certo alívio. “Tem muita falta de noção lá, muita gente ruim e problemática que só existe lá dentro”, comenta ele.
Esse sentimento foi compartilhado por muitos usuários que, frustrados com o aumento de perfis de ódio, aproveitaram o bloqueio temporário para explorar outras alternativas.
Durante a queda do X, Yago foi um dos mais de 2 milhões de brasileiros que migraram para o Bluesky. Essa rede, com características quase idênticas ao antigo Twitter, rapidamente se tornou o “refúgio” de muitos que buscavam um ambiente mais tranquilo e seguro para interação.
Para Yago, a experiência no Bluesky foi mais “saudável”, e ele encontrou uma comunidade mais acolhedora.
Apesar disso, Yago optou por retornar ao X assim que a plataforma voltou ao ar, pois a maioria de seus amigos e conhecidos ainda permanecia lá. É o famoso “efeito de rede”: o valor de uma rede tende a aumentar à medida que mais e mais pessoas a utilizam.

Lemes explica que o anonimato nas redes sociais permite que as pessoas adotem uma “figura de si mesmas” que lhes confere uma liberdade para expressar opiniões sem medo de repercussões na vida real.
Isso contribui para que muitos indivíduos se sintam à vontade para compartilhar pensamentos e ideias extremas, sabendo que sua identidade permanece oculta. Esse tipo de comportamento, segundo a pesquisadora, se intensificou com a chegada de Elon Musk.
Quando Musk comprou o Twitter em outubro de 2022 e mudou o nome da rede para X, ele implementou várias mudanças na dinâmica da plataforma. Entre as alterações, muitas das regras de moderação foram flexibilizadas, o que permitiu o surgimento de mais grupos de disseminação de discurso de ódio e desinformação.
Yago, que usa o Twitter desde 2016, percebeu uma deterioração da qualidade da plataforma desde a entrada de Musk. Ele menciona que não apenas começou a ver mais conteúdo de ódio em sua linha do tempo, mas também que o botão de denúncia raramente funciona com eficácia.
Apesar de lamentar a falta que a rede social traria, muitos usuários do X apoiaram a decisão de Moraes, como observou Aianne. Assim como Yago, as pessoas sentiram que a posse de Musk e as subsequentes mudanças na moderação impactaram negativamente o ambiente da plataforma.
Além do X da questão…
O X retornou mais de um mês depois de sua suspensão, no dia 8 de outubro, após Elon Musk cumprir as determinações impostas pelo ministro Alexandre de Moraes: o bloqueio de perfis que disseminam conteúdos antidemocráticos e uma salgada multa de R$ 28 milhões.
Atualmente, de acordo com informações do Website Rating, o X conta com 368 milhões de usuários ativos. Ainda que a mudança do Twitter para X tenha afastado algumas pessoas que, por diversos motivos, não se adaptaram às mudanças.
Apesar disso, Aianne Amado acredita que o senso de comunidade no Brasil é forte o suficiente para superar qualquer barreira imposta, seja por mudanças na plataforma ou por outros desafios externos.
A pesquisadora relembra o Orkut, que teve uma organização única por aqui, com comunidades e grupos que se formaram de maneira bem distinta em relação a outros países.
Mesmo após o fim do Orkut, a transição para o Facebook foi seguida por uma adaptação rápida dos usuários, que encontraram novas formas de interagir e organizar essas comunidades.
“Os brasileiros vão sempre encontrar uma forma de criar uma estrutura coletiva, de se organizar em uma comunidade e definir uma hierarquia que realmente funciona, não importa qual seja a rede social”, afirma.