Rebobina. O vestido, com duas faixas de brilhantes que se estendiam pelo peito, acobertado por um paletó escuro, era preto. O smoking, desabotoado, acompanhado de uma gravata borboleta igualmente escura, também. Ela, Fernanda, era a primeira atriz latino-americana a entrar naquele teatro com outro propósito que não assistir à cerimônia. Ele, Walter, já era o quarto diretor brasileiro a concorrer a Melhor Filme Internacional — o terceiro em quatro anos. Por trás de Fernanda e Walter, a Sony Pictures Classics, que patrocinava a festa.
Corta. Agora o smoking é abotoado. Ainda preto, ele deixa espaço somente ao pescoço e ao topo da cauda de uma gravata slim escura. O vestido também permanece preto. Mas, desta vez, com um grosso colar de brilhantes ao redor da gola — sem agasalho.
Ele, Walter, quer pisar no teatro mais uma vez, ainda como o quarto brasileiro de sua qualidade — o primeiro em 25 anos. Ela, Fernanda, sonha em se tornar a oitava latino-americana, e segunda da família, a fazer o mesmo. Por trás de Walter e Fernanda, a Sony Pictures Classics, que pretende patrocinar uma nova festa.

Durante o Governors Awards 2024, evento de gala que antecipa a pré-seleção do Oscar, nem o vestido, muito menos Fernanda, aquela com brilhantes ao redor da gola, viraram notícia apenas no Brasil. Eles rodaram o mundo.
Com quase 3 milhões de curtidas e mais de 800 mil comentários no Instagram, a foto viralizou e expressou uma mensagem à Academia, não só de Fernanda e Walter, como do público brasileiro: “Ainda Estou Aqui”.
O lembrete ajuda a refrescar a memória de quem, diferente de você, leitor, não pulou um quarto de século de um parágrafo para o outro — e, pior, não tem Fernanda e Walter no imaginário. Isso porque, desde que Central do Brasil recebeu sua indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 1999, o país entrou na geladeira. De lá para cá, apareceu uma única vez na pré-lista, em 2008, com O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburguer.
Neste mesmo intervalo, o México atendeu a cinco cerimônias, faturando uma estatueta; os hermanos a quatro, levando uma para casa; o Chile apareceu em duas, com um título na conta; a Colômbia em outra; e até o Peru deu as caras, em 2010.
De Fernanda a Fernanda, o que explica a ausência dos brasileiros no tapete vermelho?
Em busca da resposta, a Babel mergulhou na questão com quatro entendidos do assunto: um diretor, uma especialista em campanhas, um estudioso e um crítico — que está aqui do lado, se chama Waldemar Dalenogare e sintetiza a resposta: “Não apenas qualidade ganha um Oscar, mas distribuição e investimento”.

O processo de seleção
A virada do século marcou a profissionalização das comissões de seleção de Melhor Filme Internacional em diversos países — com eleição de membros, delimitação de calendário, divisão em etapas e definição de métodos de escolha. Mas, para Dalenogare, o Brasil não virou o século. “O que tem sido feito no Brasil desde então é um processo que todo mundo fazia nos anos 1990”.
E era assim: até 2017, a escolha do representante brasileiro no Oscar passou por diferentes órgãos do governo, como o Ministério da Cultura e a Secretaria do Audiovisual. Mas, depois da quizila com Aquarius, em 2016 — que deixou de ser indicado após o elenco se manifestar publicamente contra o governo no Festival de Cannes —, o Estado demitiu a si próprio do cargo e a Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais (ABCAA) assumiu o posto.
No roteiro, era por um bom motivo — mas não foi bem adaptado. A mudança, chancelada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (Ampas), pretendia evitar interferências políticas na seleção. Como foi, justamente, na murmurada escolha de Pequeno Segredo em 2016 ante Aquarius, ou então Lula, o Filho do Brasil em 2009, que tecia loas ao governo da época.
No entanto, não eram apenas as “cartas marcadas” que, segundo o crítico, jogavam contra a sorte dos brasileiros. A tradição nacional de deixar tudo para a última hora também nunca ajudou — e continuou não ajudando.
Neste ano, por exemplo, o escolhido do Brasil, Ainda Estou Aqui, foi anunciado em 23 de setembro. Ou seja, apenas nove dias antes do prazo final de submissão para o Oscar, 2 de outubro — uma média que acompanha a comissão na última década e “reforça o nosso jeitinho brasileiro”, opina Dalenogare.
Por contraste, países como França, Argentina e Coreia do Sul iniciam o processo no primeiro semestre e enviam seus representantes, no mais tardar, até o final de agosto — com mais de um mês de antecedência. Tempo suficiente para organizar um churrasco ou, quem sabe, concorrer ao prêmio.

E, quem diria, o Oscar ajuda quem cedo madruga. Para o especialista em cinema Felipe Haurelhuk, o ganho de calendário faz toda a diferença porque possibilita utilizar festivais como Toronto (até 5 de setembro) e Veneza (até 7 de setembro) de vitrine das produções. Algo que não ocorreu com Ainda Estou Aqui.
No formato atual, o comitê é composto por 25 membros, que dedicam menos de dois meses para assistir, debater e escolher entre mais de 20 longas inscritos. “Com um grupo tão grande e em tão pouco tempo, você dilui o processo, e a escolha frequentemente prioriza o ‘filme mais bonito’ em vez do mais competitivo”, explica.
Em vez de se programar, o Brasil prefere apostar nos seus 200 milhões de habitantes que, nas mãos do acaso, são talvez-cineastas, talvez-atores e outros tantos “talvezes”. Assim, faz de uma vaga — que apesar de incerta, é alcançável — loteria. Tal como em tudo-que-não-futebol, dependemos de exceções à regra.
Exceções como Fernandas e Walters, menos plurais do que indicam os “ésses” em seus nomes, que por mérito próprio internacionalizam seu cinema, chamam a atenção de Sonys — com “ésse” ainda mais raro. Só, então, fruto do acaso, eles podem colocar seus ternos e vestidos para mostrar, uma vez a cada 25 anos, que ainda estamos aqui.
A importância da distribuição: o filme precisa ser visto
É de comum acordo que não chega ao Oscar quem não vai — e corre uma maratona com câmera e microfone na mão, até ser deportado — aos Estados Unidos. A especialista em campanhas Juliana Sakae explica que a distribuição no território americano é quem tira o filme do anonimato e o faz ser conhecido pelos votantes. “É a diferença entre estar ou não na corrida para o Oscar. Significa competir”.
Rebobina. De volta à Fernanda — a Torres, aquela com brilhantes ao redor da gola. Sua foto e presença no Governors Awards cumprem parte deste papel. Não há estatueta ganha, ou mesmo participação garantida. Porém, como diz Dalenogare, “os votantes não são robôs, nem ficam inertes”. Agora ela é conhecida, está em evidência e pode ser vista por quem interessa.
Mas em praticamente qualquer um dos outros 25 anos entre Central do Brasil e Ainda Estou Aqui, sem Fernanda, Walter e — ainda mais atípico — Sony Pictures Classics para atrair uma distribuidora e chegar aos Estados Unidos “é preciso se destacar entre mais de 80 longas, que miram uma shortlist de 15”, lembra Haurelhuk.
Ele se refere à pré-lista de Melhor Filme Internacional, que, neste ano, seleciona apenas 15 dos 85 filmes inscritos para uma segunda bateria de votações. É dela que saem os cinco finalistas que pisarão na cerimônia. Vale o post-it: para a shortlist, e somente nela, os votantes devem assistir a todos os longas selecionados. “Antes disso, nada garante que você será lembrado pelos membros”, aponta Sakae.
E, caso o processo de seleção da ABCAA não anuncie o representante antes da temporada de festivais, que começa no início de setembro, “as distribuidoras já terão escolhido suas apostas para o Oscar e, assim, você passa a brigar por uma vaga que não existe”, complementa.
A partir daí, em vez de uma temporada de prêmios e exibições, o filme é fadado a uma temporada de negativas e frustrações. Sem uma ponte entre a produção e as salas de cinema, o longa deixa de ser exibido em cidades estratégicas, como Los Angeles e Nova York, e se torna invisível. “Screenings [seções exclusivas] para votantes, então, nem pensar”, conta Sakae.
Também perde a chance de aparecer em veículos como Variety, Hollywood Reporter, IndieWire, Deadline e New York Times. “Isso acontece, porque a imprensa se recusa a cobrir um filme que não esteja acessível ao público local”, justifica. Sem salas, sem reportagem.
Para as agências de relações públicas, parte dois: o inimigo agora é outro. Igualmente concorridas, a especialista conta que “no começo de setembro, os principais players do mercado já apadrinharam alguém”. Sua função é política: estabelecer laços dentro da Academia, que possam conhecer o longa e divulgá-lo internamente.
Muitas vezes, os próprios agentes também são membros. “E com 30 a 40 anos de mercado, são a ponte ideal para convidar outros votantes aos screenings e eventos promocionais”, adiciona.
Contar com ambos — distribuidora e agência publicista — é o conto de fadas que vive Ainda Estou Aqui. Algo que apenas consegue ser reproduzido no Brasil, em 2024, pois há 25 anos Walter estava de smoking preto, desabotoado, acompanhado de uma gravata borboleta igualmente escura, e outra Fernanda de vestido, também preto, com duas faixas de brilhantes que se estendiam pelo peito. Só é possível, pois há 25 anos e agora, a Sony Pictures Classics patrocina a festa.
Uma festa com pouca, ou quase nenhuma mão, da Academia Brasileira de Cinema. Dalenogare gosta de lembrar que Ainda Estou Aqui foi ao Festival de Veneza, realizado entre os dias 28 de agosto e 7 de setembro, já com distribuição nos Estados Unidos pela Sony, mas sem a indicação da ABCAA ao Oscar — o que restringiu sua repercussão internacional. “Era uma escolha óbvia, e mesmo assim saiu atrasada”.
Mas sem Walter Salles, Fernanda — Torres ou Montenegro — e Sony, temos o padrão dos últimos 25 anos, parte deles enfrentados por Sakae. “Em 2022, fiz parte da equipe que agenciou Deserto Particular, de Aly Muritiba, que conseguiu a Kino Lorber [distribuidora independente norte-americana] para a distribuição nos EUA”. No ano seguinte, sem Sakae, Marte Um, de Gabriel Martins, fechou com a Magnolia Pictures (também independente).
Porém, sem presença na mídia, em screenings exclusivos e debates, os filmes não tiveram fôlego para competir com os grandes nomes do Oscar. Em 2020, então, Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, de Bárbara Paz, mal conseguiu distribuidora internacional.
“O ideal seria, que imediatamente após o anúncio, o candidato fosse em todas as instituições que pudessem o ajudar financeiramente — como o Itamaraty, a Ancine, consulados internacionais e comissões fílmicas de suas cidades”, aconselha Sakae. Logo em seguida, já deveria pular no pescoço das agências publicistas e ir atrás dos ex-concorrentes do Brasil “para tirar dúvidas e se fazer conexões”, complementa.
“Mas o que, realmente, acontece?”, pergunta de forma retórica. “Sem apoio ou mentoria, o candidato costuma chegar nessas fontes em dezembro”. E agora, José?
Quanto custa chegar ao Oscar?
Aqui, retornamos à máxima de Dalenogare: “Não apenas qualidade ganha um Oscar, mas distribuição e investimento”. Sobre a quantia adequada, até é possível delimitar um piso.
Segundo Sakae, uma campanha “simples”, que cumpra o checklist de exibições, aparição na mídia e eventos promocionais, não deve sair por menos de US$ 200 mil (e você acreditou que bastava uma câmera na mão e uma ideia na cabeça). Já o teto se vale da parábola fundamental do cinema: o céu é o limite. Senão ele, o desespero por uma estatueta.
Rebobina. De volta a Walter e Fernanda, desta vez, Montenegro. Para a campanha de Central do Brasil, entre 1998 e 1999, a Sony Pictures Classics desembolsou U$ 250 mil (R$ 2,9 milhões, convertidos pela inflação). Um valor já discrepante, se comparado aos R$ 200 mil investidos pela Ancine em Marte Um em 2022 — quem sabe daqui a outros 25 anos valha alguma coisa.
Porém, o principal concorrente daquela noite, A Vida É Bela, distribuído pela Miramax (que, mais tarde, distribuiria Cidade de Deus) subiu as cifras ao ponto de virar polêmica à época. A distribuidora investiu trinta e sete vezes mais que a Sony: foram US$ 9,25 milhões.
A matemática — e a consequente inconformidade com o resultado — fica por sua conta e risco, leitor. Apenas saiba que o valor seria suficiente para produzir Central do Brasil, do zero, outras três vezes. Quem sabe em uma delas Fernanda vencia Gwyneth Paltrow.
Mas, novamente, a discrepância não é novidade. Em 2016, O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, chegou ao Oscar com todos os pré-requisitos para competir pela estatueta de Melhor Filme de Animação.
Largou com uma dupla vitória, de público e júri, no Festival de Annecy. Depois, já garantiu uma distribuidora americana, a GKIDS. Estruturado, exibiu o longa em Nova York e Los Angeles, e forneceu entrevistas às principais revistas. O filme até foi indicado como o favorito do New York Times, recebendo o apelido de “Outside In”, trocadilho infame — mas condizente à reportagem — com o representante da Pixar, Divertida Mente (Inside Out, no original).
No entanto, como conta Abreu, no dia de seu screening com os votantes, “a distribuidora concorrente”, disse sem citar nomes, anunciou uma exibição para o mesmo horário — mas com presenças VIPs, coquetéis e outros atrativos.
“Enquanto isso, a de O Menino e o Mundo era somente o filme e uma entrevista comigo, ao final”, relembra acompanhado de um breve suspiro, que não tirou o sorriso do rosto. Hoje, Abreu reconhece o jogo de poder e serve de exemplo como o Oscar é jogado, também, nos bastidores.
No Brasil, a Ancine oferece um programa de apoio financeiro com valores limitados, geralmente entre R$ 100 mil e R$ 200 mil — convertendo, são de US$ 18 mil a US$ 35 mil. Chamar de dinheiro de pinga é exagero.
“Uma sessão exclusiva para membros da Academia, com coquetel, custa US$ 10 mil”, diz Haurelhuk. “Um anúncio em uma revista como a LA Times, outros US$ 9 mil a US$ 20 mil. Uma agência de relações públicas, então, pelo menos mais US$ 15 mil. A verba acaba na metade do processo”.
O caso de Marte Um ilustra bem essa realidade. Apesar de receber o teto de R$ 200 mil da Ancine, os produtores fizeram as contas e entenderam que para se lançar aos Estados Unidos, como diz Sakae, “tem que ser criativo”.
Foi preciso buscar apoio adicional em instituições, empresas privadas e até vaquinhas. No total, conseguiram arrecadar cerca de US$ 200 mil — o suficiente para uma divulgação simples do ponto de vista norte-americano, mas muito impactante comparado a outros candidatos brasileiros. Apesar dos esforços, o longa não chegou à pré-lista daquele ano.

O caso evidencia o que Sakae trata como regra: “Uma distribuição internacional de sucesso deve ter, além da qualidade, tempo ou dinheiro. Pois se falta tempo, o dinheiro paga o dobro; e se falta dinheiro, usamos o tempo para encontrá-lo. O que não pode é faltar os dois — mas falta”.
Existe filme ‘para o Oscar’?
Mas se houver tempo — de escolha, distribuição e exibição — e dinheiro que financie suas etapas, devemos, também, olhar para a qualidade? Este atributo, que parece perseguir Fernandas e Walter, segue algum padrão para atrair os olhos da Academia, que não os vestidos e smokings pretos? Segundo Dalenogare, é possível que sim.
O crítico defende a indicação de obras que versam temas universais — fugindo de narrativas centradas em personalidades internas (2 Filhos de Francisco que o diga). “Nem sempre o melhor filme local será o melhor para o Oscar. É o que o comitê da Alemanha adota há mais de uma década e chama de filme de exportação”. O resultado é visível: são dez indicações nos últimos 25 anos.
Votante na categoria de Melhor Filme Internacional desde 2017, Abreu confessa acreditar que os membros da comissão brasileira ainda não “entenderam o Oscar”, e dobra a aposta. “Não vou dizer que a qualidade não importa. Pelo contrário, sem ela, não adianta jogar o longa na máquina e esperá-la girar”.
A “máquina”, citada pelo diretor, não é a que rodou as gravações de Ainda Estou Aqui, tampouco a que tirou a foto de Fernanda Torres e seu vestido durante o Governors Awards 2024. Mas sim o conjunto de regras e preferências escondido atrás da Academia. Uma máquina que considera tempo, dinheiro e, conforme Abreu, “a linguagem e universalidade de um filme”.
Silêncio no set — corte do diretor. Não é porque o processo de seleção é matemático que o cineasta deve ser engenheiro. Não, ele é poeta. “Produzir um longa ‘para ganhar o Oscar’ é um tiro no pé de qualquer artista. Nosso papel é o contrário: escutar o filme enquanto o criamos”. O mesmo vale para sua identidade. “Você pode filmar em Marte, que ainda falará sobre o bairro. Isso é ser universal”.
De volta à cena — câmera rolando. Entrar na máquina é, também, timing — algo raro à pontualidade britânica às avessas que temos por aqui. “Em 2015, meu distribuidor cancelou o lançamento de O Menino e o Mundo porque ‘o ano não era para mim’. A vaga em disputa já estava certa para o Studio Ghibli, com O Conto da Princesa Kaguya. Dito e feito. Esperamos 2016 e chegamos ao Oscar”.
Mas o Brasil realmente quer o Oscar?
Rebobina. O vestido, agora, era prateado, com uma notável barra rosada em sua extremidade. Tinha mangas compridas e um amplo decote, que deixava o busto à mostra, abrindo espaço para um colar de brilhantes. Apesar de longo, era arejado. Afinal, fazia calor — como é costume no Rio de Janeiro.
Em pé, de frente a um púlpito curvado, preto, como a cor dos vestidos de Fernandas ou dos smokings de Walter, ela: Renata Almeida Magalhães, recém-eleita diretora presidente da Academia Brasileira de Cinema. Começava a 21° edição do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.
Para exaltar — de antemão — todos aqueles que não sairiam da Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, em festa, Renata escolheu falar de Oscar. Ou melhor, de não-Oscar. “Claro que todo mundo quer ganhar prêmio. Porém, devo lembrar que Cantando na Chuva não levou o Oscar — sequer concorreu a Melhor Filme. Hitchcock também não, Godard tampouco, nem Orson Welles. Mas de quem lembramos agora?”.
A provocação, recebida em silêncio pelo público na Barra, passa uma mensagem de indiferença ao Oscar que não surpreende Dalenogare, Haurelhuk ou Sakae. Pelo contrário, até justifica o descaso da instituição em profissionalizar seu comitê de Melhor Filme Internacional.
Para Sakae, a Academia tem o direito de pensar o Oscar como bem quiser. “Mas, se realmente acredita que os mais maravilhosos filmes nunca serão reconhecidos, então deveria abrir mão de selecioná-los”. No seu lugar, indica a especialista, “existem instituições prontas para construir uma rede de apoio e fazer acontecer”.
Corta — agora para Dalenogare. “Se dependêssemos do método de seleção do Brasil, Ainda Estou Aqui estaria, agora, correndo atrás de uma seção qualquer nos Estados Unidos. O fenômeno de Walter e Fernanda é algo que acontece apesar da Academia Brasileira de Cinema”.
E se por profundo desinteresse, desleixo ou protesto, insistirmos nos mesmos erros de sempre, nosso cinema continuará tendo que relembrar o mundo, de Fernanda em Fernanda, que Ainda Estamos Aqui.
Porque entre olhares. O indiferente, desconsolado e ingênuo de uma ex-professora que ganha a vida transcrevendo cartas para analfabetos; e o vazio, náufrago sem ilha, de alguém que lutou a vida inteira por algo que não lhe pertence mais: a memória. Correram, sem lembranças, 25 anos.
Neste meio tempo, os smokings e vestidos — sejam eles pretos ou prateados — bastaram-se nos teatros do Rio de Janeiro. Porque, desde então, o mais adequado título de Marcelo Rubens Paiva ao cinema nacional não é o tantas vezes repetido por esta e outras reportagens. Mas outro: Feliz Ano Velho.