Com os dedos no teclado, me pergunto: como fazer isso parecer menos chato? Essa pergunta passa nas centenas de cabeças sentadas nas baias das redações ocupadas em escrever textos jornalísticos, seja aqui ou em qualquer outro lugar. A tradução faz parte da profissão, tornar as informações palatáveis também. Mas me pergunto se palatável é sinônimo de prazeroso. É claro que como a salada que acompanha o almoço, mas será mesmo que eu não a deixaria de lado se pudesse?
Com tanta oferta de informação, parece ser isso que os espectadores tem feito: cada vez mais selecionam apenas aquilo que lhes agrada. E qual o papel do jornalista nessa situação: devo entregar o que todos querem ou produzir uma apuração admirável sem ninguém para ler?
Uma das várias crises
Qual o problema do jornalismo? “Dinheiro”, foi a primeira palavra que Patrícia Maurício, pesquisadora de modelos de negócio jornalístico, me disse após os cumprimentos no início da entrevista. Como todas as outras crises, o jornalismo vive a falta de capital.
“Diferentemente da Inglaterra, o jornalismo brasileiro é privado. Então dependemos da publicidade para manter a imprensa funcionando. Com a ida dos anunciantes para a internet, perdemos força e também tivemos que ir para as plataformas digitais”, conta Patrícia.
Um dos maiores motivos são os comerciais direcionados. Há alguns anos, quando uma grande marca de roupas femininas anunciava em uma revista, a propaganda chegava para todos aqueles que compravam a edição na banca, seja esse indivíduo um grande fã de vestidos ou não.
Com as plataformas digitais, a marca de roupas femininas consegue entregar seus anúncios diretamente para mulheres que demonstram interesses em usar vestidos ou para seus companheiros que sabem, menos que a plataforma, qual é o modelo ideal para um presente de Natal. Essa triagem de interesses é feita a partir das interações nas redes sociais, ou seja, do seu rastro digital. Esse novo modelo de anúncio encanta os anunciantes e deixam os jornais quase órfãos de propagandas.
O jornalismo atual é do passado
Mas tem um outro probleminha: não foram só os anunciantes que deixaram os jornais, os espectadores também. O jornalismo vive a crise da notícia: além dos problemas financeiros, enfrentamos uma enorme redução no público e um constante questionamento sobre a credibilidade da profissão.
Segundo o Digital News Report 2024 do Reuters Institute – sondagem global realizada com mais de 95 mil pessoas em 47 países –, o desagrado dos leitores pela produção jornalística vem aumentando. O Brasil foi o país com maior aumento de pessoas que evitam ler notícias no mundo. Em cinco anos, o índice passou de 30% para 46%, totalizando quase metade da amostra.
E aí vem um problemão: a hipótese de que o formato jornalístico não é mais tão bem aceito (sabe aquilo de não tornar “isso daqui tão chato”? Então…).
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Diante de tantas plataformas e possibilidades, a imprensa ainda parece não ter encontrado seu lugar nas redes sociais. “Enquanto o jornalismo tradicional aposta em vídeos mastigados com linguagem tradicional, os jovens desejam uma comunicação sem formalidade e com personas que eles se identifiquem”, conta Jean Monteiro, mestre e especialista em comunicação multimídia.
Jean explica que estamos passando por uma mudança no padrão comunicacional, que ainda não foi implementada totalmente pelos meios de comunicação. As redes sociais não aceitam bem conteúdos que são apenas uma mera transposição do jornal ou da televisão. A moda na internet é mais interatividade e menos rigidez nos formatos. “No jornalismo tradicional, precisamos de fatos. No jornalismo do Tiktok, precisamos contar e ouvir histórias”, diz o especialista.
Nem para todos os males há remédios
Não é só Jean que pensa assim. Humanizar o conteúdo jornalístico é uma forma de criar personagens, se misturar um pouco com entretenimento e furar a bolha. “Apresente a razão pelo qual o personagem aparece, opte por personagens que agem e não apenas reagem”, essas são algumas das técnicas de escrita que Ana Maria Straube me contou.
A roteirista do “Ditadura Recontada”, um dos podcasts mais populares da CBN, descreveu detalhadamente sua paixão pelo tema, mas que passava por uma luta constante para entender se quem não se interessava pelo tema ainda daria uma chance pro podcast. Uma tentativa de vencer esses obstáculos é usando elementos narrativos da ficção, mas sem deixar a ética de lado.
“Parte da criação é entender que nunca conseguimos retratar personagens de uma forma extremamente complexa. Ao perceber que as pessoas nunca estão completas ali, escolher eticamente o que sobre essa pessoa você deseja trazer para o texto”, aconselha Natalia Silva, editora-executiva da Rádio Novelo.
Utilizar elementos cativantes da literatura sem deixar a apuração ética de lado. Mas é só isso? Claramente não existe uma fórmula perfeita, ou teria sido muito mais fácil te manter lendo até aqui. No entanto, experimentar e praticar é sempre uma boa tentativa.
Sabe aquele amigo que sempre te prende ao contar uma história, mesmo que não tenha nada de realmente extraordinário? Provavelmente foram anos para treinar lábia e construção de narrativa.“O mais importante nem sempre é a história, mas como você conta”, me disse Bárbara Falcão, ex-produtora da CBN e editora do Núcleo de Reportagens Especiais do UOL.
Por exemplo, qual seria sua reação se você ouvisse que uma menina que tinha língua presa e era gaga até os 13 anos se tornou locutora em uma das maiores emissoras de rádio do Brasil? A história pode não ser tão relevante para meu texto, mas construir uma narrativa sobre a Nadedja Calado pode chamar muito mais atenção e também levar o público a sua história profissional, que realmente se comunica com a reportagem.
Nadedja, que foi a narradora do “Ditadura Recontada”, me contou algumas outras formas de tornar o conteúdo mais chamativo, pelo menos no mundo do áudio. Os momentos de silêncio, o ritmo, as trilhas sonoras, a descrição visual e a alternância de vozes são maneiras de tornar o conteúdo mais atrativo.
Em resumo, não existe maneira simples para solucionar a pergunta que paira todos os dias em centenas de redações. Ferramentas do entretenimento, metodologia jornalística ou qualquer outra técnica. Talvez tudo isso misturado – e mais. Bem, mas se você chegou até aqui, algum desses ingredientes deu certo…