Entre fios

Por Maria Clara Abaurre e Emilly Gondim, editoras-chefe

A Babel foi, desde os detalhes gráficos até os critérios de seleção das nossas pautas e temas, pensada como um produto latino americano, por latino americanos, sobre latino americanos.

Nossas cores são as cores das ruas, as cores das festas, as cores dos tecidos e dos temperos. As colagens que ilustram essa revista, inspiradas na obra de Rosana Paulino, trazem para estas páginas um mosaico que já é nosso.

Uma coleção de retratos da América Latina unindo com uma só linha os 39 países — partindo de critérios decoloniais. A Babel é fruto de um trabalho incansável de aproximação, do outro e de nós mesmos.

Os cordões que nos unem ultrapassam a língua e o território geográfico. Compartilhamos, como irmãos, uma série de acontecimentos históricos que marcam nossa realidade.

Os cordões que nos unem ultrapassam a língua e o território geográfico. Compartilhamos, como irmãos, uma série de acontecimentos históricos que marcam nossa realidade. A começar pelo processo de colonização exploratória junto a escravidão e o apagamento dos povos indígenas.

O primeiro de nós a se rebelar e conquistar sua tão sonhada emancipação, se viu novamente à mercê do poderoso Norte global. Castigado historicamente, o Haiti revive continuamente a luta pela liberdade.

A América Latina foi assolada ainda pelas ondas de ditaduras. Na última edição da Babel, abordamos os 50 anos do Golpe no Chile. Este ano lidamos com a efeméride de nosso próprio país: os 60 anos do Golpe no Brasil. 

A data vem após um governo federal que exaltava a ditadura e o militarismo e ao mesmo tempo em que o atual governo, mais progressista, proibiu atos manifestantes no dia 31 de março, data que marcou o fim da República. Enquanto estudantes da maior universidade pública do Brasil e da América Latina, ignorar tal marco seria ir contra os critérios já estabelecidos nesta revista laboratório.

As linhas que nos unem vão além da história e estão presentes na estratificação social latino-americana: o racismo, o machismo, a xenofobia não são exclusivamente nossos, é claro, mas apresentam características socioculturais particulares. Assolado por desastres ambientais, o continente com a maior reserva de água doce do mundo tem a necessidade de buscar iniciativas de sobrevivência e desenvolvimento em conjunto com a terra.

Nossa cultura é igualmente entrelaçada pelo amor. O intenso sentimento pelo futebol que se tornou espaço de acolhimento para tantas pessoas também ganhou uma camada política na luta pela resistência palestina, um povo do Oriente Médio que encontrou no Chile um lugar para chamar de casa, mas sem esquecer do verdadeiro lar em Gaza.

Esse amor respinga na culinária. Os pontos que nos unem carregam a ancestralidade e a miscigenação de famílias que resistem nos temperos postos na mesa.

Para essa edição da revista, nossos repórteres mergulharam na trama inconfundível de García Márquez, buscaram a fé do Chile ao Haiti, sentiram nos ombros o peso da história e viram de perto o trabalho das mãos que bordam nossas narrativas mais fantásticas.

Os sopros das mudanças chegam a todo tempo. No dia 2 de maio de 2024, os mexicanos elegeram pela primeira vez uma mulher como presidente do país. Por nossas limitações temporais e humanas, não pudemos nos aprofundar na eleição de Claudia Sheinbaum, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2007 por compor a equipe do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC). 

As desconstruções patriarcais nas políticas latinas ainda são lentas, mas há esperanças. Deixamos esse e outros tantos temas para nossos futuros colegas, com a esperança de que o decolonialismo esteja cada vez mais presente em nossas pautas.

Agradecemos àqueles que fizeram conosco essa revista, que bordaram as letras presentes nessas páginas e costuraram as palavras. Os pontos que a unem são os mesmos que nos mantêm firmes em nosso propósito.