Revenge Travel a oito mãos

Por Adriana Teixeira e Sofia Kassab

Com a reabertura de muitas fronteiras entre países, o avanço da vacinação contra a Covid-19 no mundo inteiro e a retomada das viagens turísticas suspensas por quase dois anos, um novo termo surgiu nas redes sociais e na mídia: o “Revenge Travel”, ou “viagem de vingança”. 

Vingança contra o que? Contra a pandemia? Contra os dois anos sem sair de casa? Tudo isso e mais: na verdade, é uma retaliação contra qualquer coisa que impediu os apaixonados por viagens de saírem de suas casas e desbravarem o mundo.

A Europa viu o reflexo disso no verão deste ano, com uma explosão de turistas, reservas de voos e hotéis. O RevPAR, índice internacional da hotelaria que mede a receita por quarto disponível, em 2022 teve índices 12,2% maiores do que em junho de 2019, o último verão pré-pandêmico, de acordo com dados da MKG Consulting. 

Um dos países que os brasileiros voltaram a visitar mais rapidamente após a reabertura das fronteiras foi a França. Em Julho de 2022, o país já havia recuperado 80% do número de turistas brasileiros do período pré-pandêmico. A informação é da Atout France Brasil.

Paris, o destino principal, foi o palco das das “Revenge Travels” de Camila, Eliete, Lilian e Vanessa.

E o que a história de cada uma delas tem em comum além de que foram a Paris?

As quatro são amigas de infância e se vingaram da pandemia indo juntas para a capital da França!

Elas se conheceram na escola em um bairro da Zona Norte da cidade de São Paulo  e continuaram amigas, desde então, por mais de 20 anos. Foram várias viagens para a praia até que, em um simples encontro numa padaria, resolveram viajar para comemorar seus 40 anos, mais um plano que realizariam juntas em 2020.


Amigas há 20 anos, Camila, Eliete, Vanessa e Lilian planejavam viajar para Paris para comemorar seus 40 anos

 

Cada uma tem o seu jeito, manias e ideias, mas todas têm em comum o amor uma pela outra que ultrapassou todas as fases mais difíceis e mais leves da vida. Seja quando a Van perdeu o emprego e pensou que não conseguiria viajar, quando a Lili descobriu seus aneurismas ou quando Eli ajudou a Camila a economizar e guardar seu dinheiro para a viagem. As amigas se ajudaram em todos os momentos, viveram muitas coisas boas, alguns perrengues e, para a felicidade da Lilian, até de montanha-russa andaram. 

Em uma conversa com as quatro via vídeo-chamada, elas ressaltam como se amam e como cada uma é importante para a outra, dizem elas entre lágrimas. Mas, antes de chegar neste momento emotivo, riram dos momentos que passaram na viagem: um cobrador esquisito imitando elas, um parabéns em francês, a fotógrafa perguntando se elas já tinham brigado na viagem…

Sobre esta última pergunta, elas até ficam incomodadas “porque temos que brigar? A gente se conhece há tempo demais para isso!”. E a viagem, na verdade, foi só diversão e risadas!

Paris aos 42 do segundo tempo

“O nosso sonho é só nosso”, costuma repetir Camila Cezario,  pedagoga e educadora no Ensino Fundamental.

No caso dela, esse sonho envolveu não apenas uma primeira viagem a Paris, mas também a primeira para fora do Brasil. Desde seus 18 anos dizia que, quando fizesse 40, iria viajar para a cidade-luz. Em 2018, aos 38, os preparativos viraram coisa séria. Camila até pediu para uma amiga (a Eliete, que vamos conhecer nos próximos capítulos) ajudá-la a organizar suas finanças para que ela pudesse se preparar para o grande acontecimento dos seus 40 anos.

Mas 2020 e a habilidade desse fatídico ano de estragar planos frustrou também os de Camilla, que não pôde comemorar seu aniversário em Paris. Ela comemorou os 40 em São Paulo, com as amigas por Facetime, os 41 em São Paulo, com as amigas presencialmente e, finalmente, os 42 em Paris, com direito a champanhe de graça para todas.


Ela conta que se apaixonou pela cidade e que o momento mais marcante da viagem foi quando se viu no alto da Torre Eiffel, no final de um dia de passeios: “naquele momento caiu a ficha: eu realmente estou em Paris. Estou aqui. Eu me encontro nessa cidade. Tudo aqui de cima é tão lindo e mágico!”

“Eu sou professora e a gente sabe que vida de professor não é fácil. Foi a minha escolha e ainda é minha escolha de vida. E eu digo que o nosso sonho é só nosso porque é só a gente que consegue realizá-lo. Com meu salário, sozinha, eu consegui realizar. Tem gente que olha e me pergunta como consegui ir, que desmerece, que não acredita que eu fui. Mas eu consegui. Eu sonhei, fui atrás e consegui, por isso que é importante para mim.”

Camila Cezario


Aniversário de 40 anos da Camila, que era para ser em Paris, mas foi por FaceTime

Paris uma vez, Paris Sempre!

Eliete Gentil já tinha ido para Paris com o marido e com o filho em 2016, mas naquela ocasião não teve a oportunidade de fazer algo que ela queria muito: visitar a Disney. Dessa vez, ela não só visitou o parque de  diversão, como conheceu a cidade com outros olhos e outras companhias, suas amigas de infância. 

Elas já tinham fechado hospedagem, passagem aérea, comprado euros. Estava tudo pronto para a viagem até que veio a pandemia. E ela conta que já não queria mais ir até antes de fecharem as fronteiras, não queria ir naquela situação, ela se achava medrosa demais para isso. Quando fecharam as fronteiras, ela até achou “ótimo”, já que nem correu o risco de ficar presa em outro país quando as fronteiras fechadas… ainda mais com filha pequena aqui no Brasil.

Um momento que considerou alto na viagem l foi quando, durante uma parada em Amsterdã, conheceu o Red Light District, que tinha muita curiosidade de visitar. Mas, não escapou do perrengue: “tinha acabado a bateria do celular da Lilian e nenhuma de nos tinha um, então a gente pegou três ônibus e a Lilian teve que ir de cabeça, recordando o percurso só na memória.”

Sua viagem foi adiada por 2 anos, mas considera que foi no melhor momento: não precisava mais de máscara, nem de teste de Covid: foi perfeito. A pedagoga vingou todo o tempo que esperou durante os anos da pandemia com muitos pains au chocolat, que ela tanto ama.  

“Foi um presente e privilégio”

Eliete Gentil

A viagem marcou uma fase mais madura das vidas das amigas que tiveram coragem para fazer acontecer aquela viagem que sonharam tantos anos antes, no Bairro Jardim Princesa, periferia de São Paulo. 

Por sinal, ela amou tanto a viagem que gostaria que a próxima viagem das amigas fosse mais uma vez para lá.

Se tudo desse certo na primeira vez, não seria perfeito

Vanessa Oliveira conta “sou mãe, tenho uma filha que em 2020 tinha 10 anos, eu nunca viajei sem ela e veio um pouco de receio, de culpa, mas deu tudo certo.” 

Ela nunca tinha pisado fora do país até pousar em Paris. Casada e com uma filha, a psicóloga tomou a decisão de desbravar as ruas da Cidade-Luz sem a família. O ano foi 2018 quando começou a se organizar para esta nova aventura, mas enquanto pesquisava, sua vida virou de cabeça para baixo: perdeu seu emprego e –momentaneamente– sua esperança de viajar.

Mas, sabem como é… Brasileira não desiste nunca e ela não é de desistir, ainda mais com o suporte da Lilian, Eliete e Camila. “Elas insistiram que se eu não fosse, não teria graça… Era uma viagem de nós quatro.” E as três levaram isso bem a sério, já que deram o empurrãozinho necessário para a Van conseguir suas passagens para Paris.

Depois de conseguir se restabelecer no mercado de trabalho e com a ajuda de suas amigas, fez as malas para a viagem dos sonhos em 2022.

 

“Eu acho que tudo tem seu tempo certo, porque nesse período eu consegui juntar uma grana para poder viajar, talvez se tivesse dado certo no início não teria sido tão perfeito quanto foi.” 

Vanessa Oliveira

Voar está no seu espírito

Essa foi a terceira vez da Lilian Santos em Paris. Mas “viagem de vingança” de Lilian foi muito mais do que uma vingança contra a pandemia, que a obrigou a remarcar sua viagem que estava marcada para 2020. Após dois anos esperando a reabertura das fronteiras internacionais, quando finalmente tudo parecia dar certo, Lilian descobriu três aneurismas cerebrais, que poderiam impedi-la de viajar. Depois de operar o primeiro, com medo de precisar remarcar mais uma vez suas primeiras férias em anos, ela foi liberada para revisitar aquela cidade que já era sua antiga conhecida, mas com novos olhos. 

Desde a primeira vez que marcou a viagem, Lilian tinha fechado um ensaio fotográfico com uma fotógrafa brasileira que mora em Paris. Depois de todos os altos e baixos, esse ensaio inesperadamente foi um momento muito emocionante, que marcou sua viagem. Mas nada foi mais marcante que, ao visitar a Disneyland Paris foi liberada pelo seu médico para andar de montanha-russa.  


As amigas fizeram um ensaio fotográfico em Paris

“As primeiras perguntas que fiz para minha primeira neuro quando eu fiquei internada foram: “posso ir na montanha russa, toboágua?”. E ela disse que não, que eu não poderia ir nunca mais. Aí, já na fila da montanha russa, eu liguei pro meu médico, e falei assim: “Doutor Guilherme, eu não posso mesmo ir na montanha russa?”. E ele respondeu “Não consigo ver porque não. Te disse, Lilian, eu te tratei pra você ficar melhor que antes.” 

Para Lilian, a vingança foi contra a pandemia, mas também contra todos os “nãos” que ela tinha ouvido na vida. Inclusive, na ligação por vídeo, todas se emocionam quando ela recita um poema que define a amizade das quatro

você não precisa que ninguém te ensine a voar
está no seu espírito
mas é bom ter quem nos lembre
de que temos asas

Cada uma tem o seu jeito, manias e ideias, mas todas têm em comum o amor uma pela outra que ultrapassou as fases mais difíceis e mais leves. Seja quando a Van perdeu o emprego e pensou que não conseguiria viajar, quando a Lili descobriu seus aneurismas ou quando Eli ajudou a Camila a economizar e guardar seu dinheiro para a viagem, mas as amigas se ajudaram em todos os momentos, até a hora que a  Lilian recebeu o aceite de seu médico para andar de montanha-russa com as amigas. A vida é assim: uma montanha-russa onde as quatro estão no mesmo carrinho.

É unânime: “a viagem para Paris foi perfeita e não mudaríamos nada”, todas concordam.

E em 2025 vem mais uma… Espanha é o próximo destino? Isso elas ainda vão resolver no grupo.


Cada uma com seu estilo, as quatro mulheres são amigas há mais de 20 anos