Foi no final de outubro que ela nasceu. Em 1966, para ser mais exata. No município de Remanso, no estado brasileiro da Bahia. A mãe dela, Eva, tinha mal completado os seus 18 anos anos quando deu à luz aquela pequena menina. A vida pacata do interior não impediu que aquela mulher crescesse e aprendesse tanto ao longo da vida. Mas, isso iremos falar logo mais adiante. A mais velha de cinco filhos relata que não lembra bem da sua infância sobre o sol quente do nordeste brasileiro. Nivalda é o seu nome. Apesar de ter seus pais, quando criança, amava ficar na casa bem humilde dos seus avós, Maria José e Estevão, pessoas que a amavam com o mais puro coração e que faziam tudo por ela. O carinho nunca se modificou ao longo dos anos e viveu a maior parte da infância ao lado dos velhinhos que tanto a faziam feliz.
A infância, com cerca de 10 anos, foi marcada por ir à pedreira local para ajudar a quebrar pedra, encher baldes e ganhar um dinheirinho a partir do número de baldes cheios feitos ao longo de uma semana de trabalho. Além disso, também ajudava na plantação de cebolas em Remanso, município às margens do famoso Rio São Francisco, segundo ela mesma, para ganhar um “cascalhinho” e não depender tanto do auxílio familiar. Neste último caso, ela ganhava alguns trocados por dia de trabalho na roça e levava até mesmo uma marmitinha com comida para poder conseguir lidar com o dia inteiro de trabalho braçal.
Diz que sempre foi esperta para ganhar o dinheirinho dela e conforme conseguia, ia até lojas de tecido da região para comprar tecidos e fazer saias, blusas e vestidos para ela mesma, costurando na máquina de sua mãe. Depois, os avós foram morar no interior do Piauí e ela decidiu acompanhá-los. Relembra carinhosamente que lá tinha um pé de árvore muito grande que fazia uma sombra imensa. Seus primos também moravam na região e faziam companhia no cotidiano. No interior havia roça com melancia, feijão e milho, que ela amava pegar junto com os seus primos para poder comer. Também tirava leite das cabras que tinham no local, aproveitava para subir nos pés de umbuzeiros que dão frutas umbu. Era uma fase muito boa.
Brincava sob a grande árvore acompanhada das primas e das lindas bonecas de panos feitas pela querida avó para vender, mas que sempre separava alguma para a neta querida que morava com ela. Na brincadeira, sempre fazia uma casinha toda repartida com tijolinhos com direito à sala de estar, e colocava alguns pedaços de pano na janela da residência. E, em meio às brincadeiras – que também representavam sonhos – dizia que gostaria de ter uma casa igual àquela que a pequena Nivalda idealizava durante a diversão infantil.
Morava longe da escola, mas diz que sempre foi muito inteligente. Estudava no chamado “Mobral”, sigla para o Movimento Brasileiro de Alfabetização, órgão instituído por meio de decreto do Governo brasileiro, em março de 1968, durante a Ditadura Militar. Explica que quem sabia ler tornava-se professor e relembra que ganhava uma cartinha de estudos disponibilizada pelo Governo. Aos poucos conseguiu escrever o próprio nome e chegou até mesmo a começar a ensinar os outros alunos porque já estava sabendo mais que a própria docente.
Com 14 anos, a avó acabou morrendo. Ainda continuou pouco tempo junto com o avô, naquele momento viúvo que tinha se mudado para o município piauiense de São Raimundo Nonato após perder a esposa, mas decidiu voltar para a casa dos pais em Remanso (BA) e foi matriculada em uma escola da região. Relembra que tinha uma professora chamada Judite e frequentou a escola até a 4º série do ensino fundamental 1.
E, ao mesmo tempo, seguia sempre ajudando a mãe com as tarefas domésticas e para conseguir dinheiro para ajudar no sustento da casa. A mãe dela ia todo dia cedinho para o mercadão que vendia coisas variadas na cidade e comprava côco. Chegando em casa, Nivalda ajudava a mãe a descascar o alimento. Em seguida, Eva ralava as frutas, fazia um tabuleiro muito grande de cocada, cortava os docinhos e colocava em uma bandeja para vender.
Sob o sol escaldante do nordeste, Nivalda ia até o mesmo mercadão, que juntava pessoas de diferentes áreas da região, e ficava sentada vendendo ali os doces. Só retornava para casa quando houvesse vendido todos os alimentos ou quando sobrava apenas um pouco. A ajuda à família também se estendia conforme os outros irmãos iam nascendo e ela precisava cuidar deles, continuar auxiliando na limpeza doméstica da casa e vendendo os doces.
Todo o ano também aconteciam os ‘festejos’ da região para comemorar alguma data especial ou a vida de santos da Igreja Católica. As datas também eram especiais pois Nivalda e os pais iam até essas regiões para vender bolo, outros tipos de comidas e bebidas. Poderia fazer sol ou chuva, mas tinha que ir trabalhar para ajudar nas vendas e conseguir dinheiro para dentro de casa.
Aos 17 anos, voltou a viver com o avô que morava em São Raimundo Nonato (PI). Começou a namorar um homem, mas abriu mão do relacionamento após constatar a possessividade e ciúmes dele. Ao mesmo tempo, uma mulher conhecida soube do interesse de Nivalda para trabalhar e conseguir o seu dinheiro e perguntou se a jovem teria interesse para trabalhar na casa de uma mulher chamada Maria no município de São João do Piauí. Logo aceitou o cargo e, no dia a dia, a jovem ajudava na limpeza da casa e cuidava da filha dessa mulher. Relembra com carinho que Maria foi como a mãe dela enquanto estava naquele município pois quando começou a ter algumas dores, logo foi indicada a ir ao médico para entender o que estava acontecendo.
Descobriu que estava grávida da sua primeira filha. Seguiu na casa de Maria, que forneceu a ela todo o apoio durante a gravidez. Depois dos nove meses, teve contrações e logo seguiu para o hospital. Os médicos informaram que ela teria um parto normal, enquanto a bebê quase morria dentro de sua barriga. Ao notarem o erro da decisão, fizeram um parto cesariana de emergência.
O problema foi que durante o processo de cesariana, a equipe médica do hospital esqueceu uma gaze e uma tesoura dentro da barriga daquela mulher que tinha dado à luz. No dia seguinte a bebê estava bem, mas, ao levantar da cama, Nivalda teve a impressão de que os órgãos internos iriam cair no chão ao se deparar com a costura da cesariana aberta e caindo secreção de dentro da barriga para o chão. Os médicos foram chamados por uma enfermeira do local e logo foi constatado que havia os dois materiais dentro da barriga da paciente.
Ela então foi levada à área de isolamento do hospital. Tomava diversos remédios – um deles vindo da capital do estado – e injeções por dia para tentar diminuir a dor que ela sentia. Entre os momentos de internação e longe da pequena filha, chamada carinhosamente de Cléo, anunciaram na rádio do município que ela havia morrido e pediram para que os seus parentes se deslocassem até a unidade de saúde para buscar o corpo dela.
De forma impressionante, uma enfermeira do hospital chamada Marlene se aproveitou do estado de saúde delicado da paciente e disse que Nivalda havia dado a filha recém-nascida para ela. A jovem à época explica que, na verdade, pediu para a enfermeira cuidar da filha enquanto a avó da menina chegava no município para cuidar da pequena pois já havia passado do tempo que a criança poderia permanecer dentro do hospital.
Dias depois, sua mãe chegou no hospital, ela solicitou que a jovem passasse por cirurgia o mais rápido possível visto o estado de saúde delicado e sendo necessário fechar aquela abertura na barriga. Com a segunda cirurgia realizada, Eva perguntou à filha se poderia levar a neta dela para casa. Nivalda concordou prontamente, mas informou que a criança estava na casa da enfermeira.
Ao ir na casa da mulher que estava com a criança provisoriamente – e que não tinha outros filhos – Eva se surpreendeu ao ser informada que não levaria a criança embora pois, de acordo com o relato da enfermeira, a mãe tinha dado a recém-nascida a ela. Visto o embaraço da situação, Eva decidiu ir até a delegacia do local e o delegado determinou que a criança fosse devolvida à avó pois, mesmo que a mãe quisesse doar, ela não teria condições de tomar essa decisão porque estava em estado grave de saúde no hospital.
Enfim, a criança foi devolvida à avó materna após determinação do delegado e ficou sob tutela da avó. Tempo depois, Nivalda recebeu alta do hospital e voltou para a casa da Maria, onde ela trabalhava durante a gravidez, para se recuperar e ficar próximo ao hospital se precisasse.
Após algum período, voltou para a casa dos seus pais para cuidar também da filha. Ficou amiga de um jovem do bairro e certo dia foi até a casa dele e conheceu uma mulher chamada Maria do Socorro, que é parente da mãe desse rapaz. Ela contou que trabalhava em São Paulo e que buscava alguém para vir para a cidade grande e trabalhar na casa de uma família de alto poder aquisitivo. Na mesma hora, Nivalda enxergou aquela como uma oportunidade única. Disse que o seu sonho era ir para a capital paulista para trabalhar e conseguir enviar dinheiro e ajudar a mãe dela que cuidava da bebê. Aproveitou para comentar que nunca teve uma chance de realizar esse sonho.
Uma semana depois, a mãe do rapaz disse que a Maria do Socorro estava na casa dela e que gostaria de conversar com Nivalda. Maria perguntou se a jovem gostaria de ir para a cidade grande para trabalhar e se levaria a sério a profissão a ser desempenhada. Com os olhos castanhos escuros e muito emocionada durante o relato, Nivalda conta que declarou aquela mulher que era isso era o maior de seus sonhos.
Diante da vontade de ambas as partes, Maria do Socorro foi até a casa dos pais de Nivalda para confirmar se os pais dela concordavam com a proposta de trabalho. Maria foi recebida com um almoço feito pela mãe da jovem. Após isso, Maria comprou as passagens para a capital paulista e, segundo a escolhida, ela não conseguiu mais dormir após a compra e ficou ansiosa para que o tão esperado dia de viajar chegasse.
A cidade grande
Chegando na nova cidade, Nivalda dormiu na casa que Maria trabalhava também como empregada doméstica e, no dia seguinte, foi conhecer o seu novo posto de trabalho: um apartamento de alto padrão de uma mulher chamada Rosa, localizada na Bela Vista, bairro nobre da capital paulista. Com a rotina pesada de limpeza do local, que era um andar inteiro do edifício, só conseguia sair nas folgas aos finais de semana.
Contava que ficava os finais de semana com a Maria do Socorro, mulher que havia levado-a para a capital paulista, e frequentava uma igreja em São Miguel Paulista, distrito da zona leste de São Paulo. Depois de algum tempo começou a frequentar o Parque do Ibirapuera e sair com alguma amiga de profissão que conheceu na região ou no edifício em que atuava.
O tempo foi se passando e Nivalda trabalhou por três anos desde sua vinda para São Paulo na casa da Dona Rosa. Entre a limpeza da casa, cuidado com as filhas da patroa, Camila e Geórgia, e fazendo todas as outras obrigações da casa, ela recebeu um convite para uma nova oportunidade de trabalho. A chance veio de uma empregada que Nivalda conheceu na padaria que frequentava para o trabalho.
Apesar de nunca ter sido maltratada no trabalho, a patroa sempre exigia que as refeições da empregada fossem com ovo, sem qualquer tipo diferente de carne, e segundo ela, com o tempo, suportar a situação tornou-se cada vez mais difícil. Quando informou da nova oportunidade, Dona Rosa ofereceu aumentar o salário para que a funcionária não saísse do emprego. Ela continuou no lugar por mais cinco meses quando decidiu alçar novos voos e aceitar o novo trabalho.
Ainda na região da Bela Vista e com a função de empregada doméstica, agora Nivalda trabalhava como em outro apartamento de alto padrão. Sua nova patroa se chamava Leila, e morava com a irmã dela, Renata, e o filho dela, Ricardo. A residência era um apartamento para todo um andar do prédio e havia uma cozinheira para auxiliar na alimentação dos patrões, diferentemente do trabalho anterior. A diferença foi visível para Nivalda, ainda mais por não ser impedida de comer alguma coisa por parte da patroa.
Mais três anos de trabalho se passaram e nesse meio tempo combinou de se encontrar com o seu pai, que estava trabalhando na construção civil em São Paulo, para entregar algumas latas de leite em pó que havia comprado para a filha pequena que estava aos cuidados da sua mãe no Piauí. O combinado era se encontrar na famosa Estação da Luz, porém, no dia o pai de Nivalda não estava bem e perguntou para dois colegas de trabalho se eles não gostariam de ir até a estação para encontrar a filha dele e pegar os alimentos, já que, em breve, ele viajaria até o nordeste e conseguiria entregar o leite para a neta.
Ambos toparam o convite e seguiram até a Estação da Luz. Chegando lá, Nivalda entregou os leites para a dupla e um deles, José, logo pediu o telefone dela. Ambos saíram da Estação para comer um lanche em um local próximo de onde foi marcado o encontro para a entrega do leite. Depois de muita insistência, a empregada passou o telefone ao pedreiro e voltou ao trabalho. Após algumas ligações e encontros, ambos começaram a ficar juntos e namoraram por algum tempo.
José trabalhava em uma obra e um de seus colegas de trabalho explicou que estava alugando uma casa na zona oeste da cidade de São Paulo. Esse colega acabou oferecendo uma proposta de aluguel. José então questionou se Nivalda se interessaria na proposta para começar a morar juntos. O pedido foi aceito, no entanto, ambos continuavam trabalhando em suas funções e só se encontravam na pequena casinha alugada aos finais de semana, quando ambos tinham folga das funções de trabalho.
Na primeira vez que foram se encontrar para comprar um guarda-roupa e cama, José foi assaltado no meio do caminho e teve todo o seu dinheiro roubado, mas as dificuldades daquele casal não paravam por ali. Em meio disso, a patroa de Nivalda doou alguns móveis e utensílios domésticos para que o casal tivesse ao menos mais algumas coisinhas dentro do pequenino lar. Ganhou colheres, panela, uma estante de madeira usada e um jogo de lençol para cama, este último foi presente de uma empregada do primeiro andar do prédio em que trabalhava. E assim, aos poucos, as coisas foram se encaminhando.
O casal juntou o pouco que tinha, arrumou um caminhãozinho e colocou as coisas para a mudança para a casa longe do famoso bairro nobre de São Paulo. Nivalda então decidiu pedir demissão da casa onde trabalhava e ficou trabalhando como diarista no local, ganhando por dia de trabalho, por algum tempo. Isso não durou muito tempo porque a patroa não estava satisfeita e achou melhor contratar outra pessoa para dormir na casa e limpá-la todos os dias.
Durante esse tempo de trabalho como diarista – José também foi demitido de seu trabalho -, o casal ficou morando por cinco meses na casa alugada que tinha três cômodos: uma sala, uma cozinha e um quarto. No ano de 1991, o irmão de Nivalda disse que havia um terreno no bairro do lado da casinha alugada sendo vendido por um preço mais acessível.
O casal se interessou pelo terreno e conseguiu comprar o pequeno espaço. Ficaram mais um tempo na casa alugada enquanto o José construía a casa com blocos achados pela rua. Com muito esforço conseguiram comprar algumas telhas para cobrir a nova casa, mas não o suficiente, deixando uma parte do espaço sem ser coberta.
Mesmo assim, e diante do preço do aluguel, decidiram se mudar para a nova casa. Logo no primeiro dia de mudança para o novo bairro com chão de barro tiveram que enfrentar uma forte chuva que danificou o telhado do local e molhou as poucas coisas que havia juntado até ali. Neste momento, já estava grávida do seu segundo filho, Fernando, o primeiro com José. Relembra emocionada as dificuldades nesse período. Não tinham geladeira, a mesa da casa era a caixa do fogão que José havia comprado, tinham somente uma cama, uma televisão e a estante doada pela ex-patroa de Nivalda. Tudo isso em uma casa pequena com um único cômodo.
Busca por trabalho
Aos finais de semana de folga do trabalho, via que as suas colegas empregadas domésticas dos outros andares do edifício em que trabalhava vendiam bebidas alcoólicas no Parque do Ibirapuera. Visto as dificuldades daquele momento com o casal desempregado e precisando de dinheiro, Nivalda relembrou desse fato e começou a fazer as batidas e caipirinhas alcoólicas para vender no famoso parque. Ia acompanhada para as vendas com sua irmã, Dina, que também já havia vindo para São Paulo para trabalhar, e da sua cunhada.
Inicialmente levava oito litros de batidas alcoólicas, mas conseguia vendê-las rapidamente. De oito aumentou para dez litros da bebida, colocada agora em um isopor, que incluía batida de maracujá com leite condensado e caipirinha de limão. Com o aumento das vendas, Nivalda começou a ir junto com o marido trabalhar vendendo bebidas no parque. O trabalho já não era fácil e complicava ainda mais por sempre tentar não ser pega pelos seguranças do local que, como visto tantas vezes, jogavam fora as bebidas de vendedores ambulantes quando as apreendiam. Depois também começou a vender cerveja, muitos dos produtos comprados no Walmart, de Osasco, ou no Hipermercado Extra da Avenida Brigadeiro Luís Antônio.
Neste meio tempo, José arrumou um emprego em uma empresa, mas aos finais de semana sempre ia com a mulher vender as bebidas no parque. Até que em uma segunda-feira de novembro de 1991, grávida, ela começou a passar mal. Notou então que a bolsa tinha estourado e precisava seguir para a maternidade. O jovem casal caminhou por longos minutos até um ponto de ônibus já que não tinham carro ou condições de pagar algum outro transporte para ir até a maternidade.
No Hospital e Maternidade, localizado na Lapa, nasceu Fernando. Primeiro filho daquele casal. Nivalda teve sangramento horas após o nascimento do menino, mas conseguiu se recuperar de mais um segundo susto durante o pós-parto. Depois de quatro dias de internação teve alta com a criança. Saiu da maternidade com a barriga enfaixada junto com o marido e uma vizinha que auxiliou na volta para a casa segurando a criança, já que a mãe estava um pouco debilitada em razão do sangramento anterior.
Algum tempo após o parto, enquanto José ficava em casa cuidando do filho – já que tinha saído do trabalho -, Nivalda seguia até o Parque do Ibirapuera para vender as batidas, caipirinhas e cerveja para conseguir ajudar financeiramente nas despesas da casa. Quando o filho tinha crescido um pouco, a mulher começou a ir trabalhar junto com o marido e o filho vendendo bebidas no parque.
Quando o pequeno Fernando já tinha seis anos, em 1997, a família decidiu crescer. Foi neste momento que Nivalda soube que estava grávida de uma menina que viria a se chamar Beatriz. Sonhava imensamente com o desejo de ter uma menina para comprar roupas rosas e vesti-la.
Após nove meses, o parto de cesariana foi marcado. No domingo trabalhou normalmente para, enfim, na quarta-feira dar à luz a pequena que tanto já se dedicava em um hospital da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da capital. Por volta das 9h30 da manhã nasceu a mais nova menina da família. José não saia do hospital enquanto não pudesse ver o rosto dos filhos. Independentemente de quanto tempo isso demorasse. Não importava. No dia de ter alta do hospital, uma vizinha decidiu buscar a mulher e a criança na saída da maternidade.
Durante vários anos que se passaram, seguiu na luta com o marido para educar os dois filhos e conciliar o árduo trabalho vendendo bebidas e levando muito peso até o Parque do Ibirapuera. Na virada de todo o ano a dupla frequentava o Réveillon na Paulista, para vender bebidas na comemoração e conseguir apurar um dinheirinho “extra”. Quando mais crescidos, o casal levava ambos os filhos para o trabalho no parque. Muitas vezes, sob a sombra de alguma árvore do parque, a dupla de irmãos brincava e se divertia muito enquanto os pais davam muito duro para criá-los.
Depois de sete anos do nascimento de Beatriz, por volta de 2004, Nivalda recebeu a proposta para trabalhar novamente na casa de uma mulher como empregada doméstica, desta vez em um bairro próximo da casa da família. Ela então decidiu voltar a atuar na profissão enquanto Fernando cuidava da irmã Beatriz e, com grande frequência, assistiam ao desenho animado de “Scooby-Doo” na televisão de casa durante o período da tarde pós-aula.
A mulher trabalhou um ano nesta casa até que decidiu parar de trabalhar para outras pessoas. Sendo assim, começou a fazer panos de pratos com bico de crochê para revender no bairro dela – já que sabia fazer isso e é completamente apaixonada por produtos de casa.
Aos pouquinhos foi aumentando os objetos de venda e começou a trabalhar com a revenda de cosméticos nos catálogos Avon e de roupas íntimas Demillus. Sua paixão por objetos para a decoração de casa desde menina permaneceu e então acrescentou a venda de objetos para a casa como roupas de cama, toalhas, cortinas de cozinha e até mesmo edredom, que eram colocados em uma prateleira dentro da própria casa. Os clientes sempre entraram na residência para comprar os produtos, hábito que acontece até os dias de hoje.
E assim foi batalhando a cada dia mais para formar os filhos. Hoje, Fernando atua como vendedor e faz faculdade de administração. Beatriz estuda jornalismo e trabalha como estagiária. Nivalda segue vendendo os seus produtos e José segue atuando na árdua profissão de pedreiro atuando com “bicos”, ou seja, quando tem propostas de emprego por dia de trabalho.
Ela conta que se orgulha muito de sua família e que hoje é imensamente por tudo que conquistou mesmo diante a tantas dificuldades na vida, narradas somente um pouco nesse texto – acredite, leitor, isso é apenas uma pequena parte da vida desta grande mulher. Este texto narra uma humilde intenção da autora de registrar a vida de uma nordestina, batalhadora e que se orgulha imensamente de sua vida e de tudo que pôde conquistar mesmo com diversas dificuldades ao longo de sua trajetória.
E, por fim, sinto que é meu dever informar que acabo de contar nessas poucas linhas, um pouco da história – que tanto me orgulho – da trajetória da minha mãe (sim, da autora desse texto), que tem as marcas das batalhas da vida em seu corpo e rosto, mas que representam um pouco de toda a sua força e potência de ser quem é…
Por Beatriz Gomes / beatrizfurtunato@usp.br