Nos últimos anos, o debate sobre o padrão de beleza imposto socialmente tem ganhado força. Com a expansão do acesso à internet, mais e mais pessoas discutem quais são os motivos para considerarmos um corpo magro bonito e um corpo gordo feio, qual a razão de um cabelo liso ou alisado ser considerado o ideal, enquanto cabelos crespos são vistos com maus olhos. E por que algumas características físicas como nariz largo ou seios pequenos “precisam” ser corrigidas cirurgicamente?
As respostas a esses questionamentos são várias, mas todas estão relacionadas a um padrão de beleza branco europeu magro e também jovem. E esse último aspecto, até então, parece passar batido na desconstrução popular do que é bonito.
Características como rugas, pele flácida e cabelos brancos, especialmente quando em corpos de mulheres, continuam sendo lidas como características feias. A juventude é sinônimo de beleza. Mas o tempo ainda é implacável e envelhecer continua sendo inevitável. Como mulheres com mais de 50 anos lidam com a aparência e beleza?
Maria Ivone Carvalho, de 57 anos, reconhece que sua opinião sobre o que é bonito está atrelada ao padrão imposto pela sociedade, mas reconhece um “ingrediente” essencial: “Minha opinião é muito baseada, infelizmente, no padrão imposto pela sociedade, [em que ser bonito] é a pessoa ter um corpo definido e ser jovem. Mas, acima disso, acho que o essencial é ter uma autoestima alta. Porque você vê pessoas que estão no padrão e não se sentem bonitas e outras que, partindo do senso comum, teriam motivos para não se sentirem lindas mas transmitem essa imagem.”
A escrevente conta que na quarentena ficou mais autoconsciente do próprio envelhecimento, mas recorda que quando era jovem, também não se sentia bonita: “Agora, anos depois, eu olho as fotos e vejo como eu não era gentil comigo mesma. E pode ser que daqui a dez anos eu pense a mesma coisa, porque acho que é menos sobre estar arrumada e mais sobre você se sentir bem com ou sem produção.”
Nair Batista de Souza, de 54 anos, também acredita que beleza é um “estado de espírito”: “Eu não me acho uma mulher bonita, me acho uma mulher simpática. Ser bonita é uma questão de espírito. Mas me sinto bem quando eu posso ajudar as pessoas, me sinto bonita interiormente. Juventude não é sinônimo de beleza, a beleza vem com o tempo, com as experiências e com os anos vividos.”
Por outro lado, Maria Edeli Fioratti, de 71 anos, argumenta que com certeza era mais bonita na juventude: “Antigamente, com menos idade, com certeza, eu era muito melhor. Com o decorrer dos anos, eu acho que você vai, não só exteriormente, mas interiormente, melhorando. Você vai criando mais responsabilidade. Vai adquirindo mais maturidade e aí lógico que você fica uma pessoa melhor. Mas não mais bonita. Quando se é jovem, é muito melhor.”
Assim como Nair e Ivone, Maria Edeli também nunca fez cirurgia plástica: “Acho que existem tantas coisas que podem te fazer ir para uma sala de cirurgia. Um câncer, uma doença grave, que pode te fazer ir para uma sala cirurgia e enfrentar tanta coisa ruim. Então não entraria numa sala de cirurgia para fazer algo sem necessidade, como uma cirurgia plástica.”
“Entrar na faca”
De acordo com dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética de 2018, o Brasil é o líder em realização de cirurgias plásticas em todo o mundo. Naquele ano, o país realizou 1.498.327 cirurgias estéticas.
E como não era difícil de imaginar, as mulheres são as principais interessadas. Elas são a parcela de 87,4% dos pacientes que realizam esses procedimentos.
Também chama a atenção o número de intervenções estéticas não-cirúrgicas, como aplicação de botox e preenchimentos. Em 2018, o número desses procedimentos se equiparou ao de operações plásticas.
E a faixa etária que mais procura por cirurgias plásticas no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas, é de 36 a 50 anos, ou seja, logo antes da idade das entrevistadas para essa matéria.
As intervenções cirúrgicas mais procuradas são aumento de mama, lipoaspiração e abdominoplastia.
Maria Sônia de Jesus, de 54 anos, fez os dois últimos procedimentos. Para ela, foram fundamentais para melhorar a forma como se via: “Foi maravilhoso, eu me sinto outra mulher, mais jovem, a autoestima vai lá em cima, você se sente renovada.”
A depiladora explica que sempre quis realizar as intervenções e por isso, hoje, se sente mais bonita do que anos atrás. Porém não foi só isso que mudou: “Também me sinto mais bonita por ser mais velha e experiente.”
Maria do Socorro Rocha, de 51 anos, concorda: “Quando se é mais jovem, tem uma questão de aparência, mas quanto mais velha você vai ficando, você vai adquirindo mais experiência. Hoje eu me sinto melhor que antes, mesmo com a idade que eu já tenho. Me sinto mais bonita do que com 18 anos.”
Professora de educação infantil, Socorro, como é conhecida, acha que são outras qualidades que deixam uma pessoa bonita: “Ser alegre, estar de bem com a vida, viver intensamente cada dia, ter com quem partilhar as alegrias. Se amar em primeiro lugar. Eu acho que é isso.”
“Autoconfiança é tudo”
Um estudo realizado com mais de 8 mil pessoas e publicado em junho do ano passado na Harvard Business Review mostrou que mulheres têm menos autoestima e menos segurança em si mesmas que os homens até alcançar os 40 anos. A partir daí, a autoestima se equipara em ambos os sexos, mas as mulheres chegam ao auge apenas aos 60.
Basicamente, para nós, leva mais tempo para aprendermos a gostar de nós mesmas. E muitas vezes, quando esse tempo chega, a tão aclamada “juventude” já passou. E isso não é um problema. Deixa de ser algo tão importante.
“Um dia a gente vai envelhecer e não tem cirurgia que vai reparar. A beleza está em cada um, em como você se sente consigo mesmo”, comenta Socorro.
Por enquanto, características próprias do envelhecimento, especialmente em corpos de mulheres, ainda são vistas como “feias”. Mas esse é só mais um padrão a ser quebrado.
Por Ane Cristina / anecristina34@gmail.com