Histórias de um povo à mesa

Pimenta, milho, abacate, mandioca. Esses são alguns dos elementos que aparecem em diversos pratos da culinária latino-americana. Porém, apesar dessas interseccionalidades, cada um dos 39 países que compõem essa região do continente possui uma gastronomia singular, com sabores e origens únicos. 

Por isso, eu, que adoro experimentar coisas diferentes, sabores novos e conhecer as histórias por trás dos alimentos, decidi fazer um pequeno passeio por alguns países da América Latina, sem sair de São Paulo. Por meio apenas da gastronomia. E posso adiantar que, em cada garfada ou mordida, é possível se sentir mais perto de cada lugar e se conectar com aqueles que dividem a origem da nossa língua.

Para iniciar essa experiência gastronômica, começo falando do Chévere Cozinha e Bar. Fazendo jus ao nome, o lugar é realmente muy chevere, ou agradável e gostoso, como diz a tradução. O lugar, que foi aberto há menos de dois anos por Érik Fernandes, filho de imigrantes bolivianos, poderia passar despercebido em uma rua qualquer da Barra Funda, mas é pela comida que ele conquista. 

O cardápio é baseado na cultura boliviana, nas raízes do proprietário, mas também há especialidades de outros países. Experimentei alguns sabores de saltenhas, as empanadas bolivianas, que é o carro chefe da casa e um dos motivos de tudo ter começado. A mãe de Erik era dona do restaurante boliviano mais antigo de São Paulo, o Rincon La Llajta, que hoje também é comandado pelo filho e virou um lugar especializado nas típicas empanadas.

Também experimentei os tequeños, rolinhos de massa frita com queijo, acompanhados de guacamole; tacos de costilla e chicharrón — costelinha de porco e torresmo, respectivamente —; um refresco de fresa, com xarope de morango, limão e hortelã e a chica morada, uma bebida típica do Peru, feita com uma variedade de milho roxo e  especiarias.

Cada pedacinho de pimenta, milho, mandioca, possui um toque singular de onde veio.

A comida me lembrou um pouco os sabores mexicanos, talvez pela característica apimentada, mas ainda com suas particularidades. As empanadas, de longe as melhores que já comi em São Paulo, e os tacos, além de uma apresentação linda, trouxeram sabores tão complexos e ao mesmo tempo muito equilibrados. As bebidas, leves e refrescantes, trouxeram outra variedade de sabores até então desconhecidos por mim. Valeu a pena mordida e foi uma ótima forma de começar esse tour!

Continuando a jornada, um pouco mais ao oeste do continente, me aventurarei pelo Peru. Conheci o Rinconcito Peruano, criado pelo chef Edgard Villar, uma casa um pouco conhecida em São Paulo, com diversas unidades pela cidade. Experimentei um dos pratos mais pedidos da casa: o ceviche peruano com leche de tigre e milho crocante. Para acompanhar, algumas batatas e o molho de huancaína, tradicional do país. 

Muitos acreditam  que o ceviche é um prato de origem oriental, uma vez que é comumente servido em restaurantes de comida japonesa no Brasil. Porém, a iguaria nasceu no Peru, através dos pescadores que faziam uma marinada com os peixes para se alimentarem ali mesmo dentro dos barcos, durante as horas de trabalho. E, apesar da aparência ser realmente semelhante aos ceviches servidos em restaurantes japoneses, o gosto é diferente – o “leite de tigre”, caldo feito à base de peixe branco, coentro e limão, traz um gosto singular ao alimento. E, novamente, está presente o toque da pimenta.

O milho crocante possui o dobro, ou talvez até o triplo, do tamanho do milho encontrado no Brasil e tem um sabor um pouco mais seco, mas que combina quando misturado ao caldo do ceviche. Por fim, o molho huancaína, denso e de cor amarela bem marcante, tem um sabor forte por conta do Ají Amarillo, pimenta muito utilizada no Peru.

¡MUY CHÉVERE!

E para terminar essa viagem de uma forma super leve, conheci o Café Colombiano, localizado dentro da Oficina Cultural Oswald de Andrade, no bairro do Bom Retiro. Marcado pelo ambiente acolhedor, o estabelecimento existe há mais de 12 anos e também foi aberto por imigrantes colombianos no Brasil. 

Para comer, pedi uma arepa, um dos pratos mais conhecidos entre os latino-americanos. É uma espécie de panquequinha, feita à base de milho moído ou farinha de milho. A recheada com queijo me lembrou um pãozinho feito com tapioca granulada. Também experimentei o buñuelo, um bolinho doce frito, muito parecido com o bolinho de chuva brasileiro. 

Para acompanhar, bebi uma Aguapanela, feita por uma infusão de rapadura, limão e especiarias que, apesar do nome estranho, é extremamente deliciosa e refrescante. Além dos salgados, o local também oferece almoço e, claro, diversos tipos de café, transportando seus clientes diretamente à Colômbia com uma decoração repleta de elementos que lembram o país

A única parte ruim é que essa unidade do Café fechou. A Secretaria Municipal de São Paulo encerrou o projeto de oficinas culturais pela cidade e o prédio em que ficava localizado o restaurante também foi desligado — uma perda à cena cultural de São Paulo e aos amantes do restaurante. Contudo, há um ano, foi aberta uma nova unidade, na Alameda Eduardo Prado e, que essa sim, ficará de portas abertas para novos visitantes.

Dessa curta jornada, dá para ter uma pequena noção de como a culinária latino americana é rica. Cada pedacinho de pimenta, milho, mandioca, possui um toque singular de onde veio. Os sabores que experimentei dizem um pouco sobre a cultura de cada lugar que estava ali representado, nos mostra como somos tão parecidos e ao mesmo tempo tão diferentes -, “seja por causa da imigração ou colonização que passamos”, como me disse o chef Érik. 

É que a comida tem esse poder: de não apenas satisfazer e nutrir, mas de transmitir saberes, memórias e as história de todo um povo à mesa.