De volta para o passado: como a nostalgia se tornou estratégia dominante no mercado audiovisual

Evento da Disney para investidores em 2019 (Imagem: Divulgação).

Por Edson Junior e Matheus Zanin

Vinte anos depois, você está entrando na sala de cinema para assistir a um filme com os personagens da sua infância em carne e osso. Dessa vez, você leva sua sobrinha de cinco anos para assisti-lo com você. As luzes da sala se acendem e, no final, tanto ela, quanto você, choram enquanto os créditos sobem.

Essa cena cabe para um punhado de filmes e séries, como O Rei Leão (2019), A Bela e A Fera (2017), Mulan (2020) e Star Wars: Obi Wan-Kenobi (2021) — destacando apenas exemplos dos estúdios Disney. Entre 2010 e 2019, a gigante do entretenimento lucrou 7 bilhões de dólares com remakes e spin-offs

A semente desse sucesso todo? A sensação de euforia e conforto, que só foi possível graças a um único fator: a nostalgia, fruto dos sentimentos despertados em você. A exploração intensa deles faz parte de uma estratégia da companhia para expandir seus universos fictícios em derivados, como séries spin-offs, brinquedos físicos, parques temáticos e demais peças de merchandising

“A principal razão para a Disney estar investindo em conteúdos nostálgicos é porque o que importa hoje em dia não é, necessariamente, o conteúdo em si, mas a propriedade intelectual atrelada àquele conteúdo, ou seja, um determinado universo que pode constantemente continuar se expandindo”, explica Melina Meimaridis, doutora em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense e pesquisadora da nostalgia em produções televisivas.

Essas práticas se apoiam numa garantia de retorno financeiro — basicamente, fãs fiéis que desejam consumir aquelas histórias —, independentemente da qualidade final. Melina destaca que a repetição de fórmulas do passado não indica, necessariamente, falta de criatividade na indústria, mas, sim, uma opção econômica. “É mais arriscado você investir numa ideia nova do que em uma que já é apreciada pelo público”, ela complementa. 

E é nesse contexto que a qualidade artística da obra fica em segundo plano. O que importa para os grandes estúdios é apostar as fichas em produtos que já têm consumidores antes mesmo de nascer. Melina contextualiza: “quando a Disney continua desdobrando as narrativas, o que eles realmente estão fazendo é diminuir o risco do investimento. Muitas pessoas, por pior que seja o produto, vão querer assistir, uma vez que reconhecem determinado universo dentro de uma noção nostálgica e de afetividade com determinados personagens”.

Uma fórmula repetida

O que a Disney e outros estúdios de Hollywood estão fazendo não é algo novo. O marketing de nostalgia, campo estudado desde o início dos anos 90, se baseia na exploração de dois públicos bem caracterizados: os consumidores que viveram determinada experiência no passado e desejam revivê-la no presente, e os consumidores mais jovens que buscam experimentá-la pela primeira vez. “Seria uma forma de turismo temporal. O consumidor encontrou um meio de visitar outros tempos além do seu próprio”, resume Flávio Henriques, professor de Administração e Marketing do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) e pesquisador da nostalgia no campo musical.

Com o passar do tempo, a indústria exibiu padrões mais claros de adaptação a esses consumidores, retomando tendências de sucesso do passado para atender às suas expectativas. Thaíssa Ballut, produtora de conteúdo sobre cultura pop e atriz, acredita que, ao atingir esses dois públicos, os remakes e continuações também geram um interesse na revisita à obra original, principalmente em animações, como é o caso de Aladdin (2019), que teve sua animação original lançada em 1992.

Ela cita um spin-off recente pelo qual se interessa: a série High School Musical: The Musical, The Series (2019). A temática dos filmes originais de High School Musical (2006-2008) a inspiraram a seguir seu sonho de carreira como atriz. E, mesmo que a nova produção tenha personagens completamente novos, Thaíssa relembrou esse sentimento e já se sentia predisposta a gostar da série antes mesmo de começar a assisti-la.

Elenco da 4ª temporada de High School Musical: The Musical, The Series (Imagem: Disney/Fred Hayes)

Para além dos remakes

Mas se engana quem pensa que o consumidor de nostalgia é sempre uma pessoa nostálgica. “Você vê jovens antenados em novas tecnologias e vanguardas que buscam vivenciar o passado, como, por exemplo, na moda. Eles fazem releituras desse passado não para escapar do presente, mas sim, para enriquecê-lo”, sinaliza Henriques ao destacar a importância dessa diferença.

A possibilidade de enriquecer o presente cultural por meio de releituras é um fator atrativo para o consumidor. Gabrielle Yumi, co-fundadora do Quarto Nerd, portal sobre cultura pop com mais de 20 mil seguidores no Instagram, enxerga no mercado de nostalgia uma possibilidade de novas gerações entrarem em contato com personagens antigos sob um novo olhar: “quando a gente fala de revisita no audiovisual, estamos vendo a visão do diretor e do ator para aquela produção. Ver essas histórias de novo me deixa com a sensação de que eu posso finalmente conversar sobre algo novo daquilo com as pessoas”.

Esse fenômeno também se faz presente em produções que, não necessariamente, são releituras de obras anteriores, mas que se utilizam de elementos nostálgicos para gerar buzz. É o caso de um dos maiores sucessos da Netflix, Stranger Things. A série se passa nos anos 80, e gerou um grande movimento de retomada a referências daquela época, seja por meio de músicas, filmes ou estilos de vestimenta. 

As releituras também reinventam as histórias, inserindo discussões da sociedade na época em que são produzidas. A nova trilogia de Star Wars (capítulos VII, VIII e XIX), por exemplo, conta com uma protagonista feminina, o que seria praticamente impensável nos primeiros filmes. Outro exemplo é o remake de A Pequena Sereia, com lançamento previsto para 2023, que traz uma protagonista negra, diferentemente da animação original de 1989.

Próximos passos

A tendência para a indústria é que as releituras continuem acontecendo. A especialista Melina Meimaridis acredita que um motivo que vem contribuindo para essa recente produção em larga escala é um efeito da crise econômica gerada no pós-pandemia. “Há, cada vez mais, uma pressão por parte dos executivos e dos investidores por produções que vão gerar receita e ser bem sucedidas. A forma mais fácil de garantir isso é por meio da retomada da audiência que já existia”, explica a pesquisadora.

Henriques também destaca que as mudanças no mundo atual influenciam essa tendência econômica: “o mercado nostálgico cresce graças ao avanço das tecnologias. Se repararmos bem, quanto mais armazenamento e memória temos, mais criamos um repertório de passado”. 

A aceleração tecnológica rompe a rotina dos indivíduos com um ritmo frenético. A nostalgia, por outro lado, surge como um espaço de “pausa” e reflexão, no qual as pessoas se sentem confortáveis ao se lembrarem de como as épocas passadas eram. 

Com a diversificação de conteúdos por meio de uma variedade de serviços de streaming e um crescimento das redes sociais em formato de vídeo, são muitos os espaços para que o mercado nostálgico se expanda. A tendência é que essa expansão explore outros anos a serem reverenciados. Produções dos anos 80 e 90 são o grande foco dos remakes e continuações dos últimos anos. Mas, os anos 2000 também já começaram a ser alvos desse fenômeno. É o caso do já citado High School Musical: The Musical, The Series (2019), da Disney, e Rebelde (2022), da Netflix.

Então, em alguns meses, você e sua sobrinha estarão entrando em outra sala de cinema. O filme é, igualmente, uma adaptação de uma obra antiga. E, quando menos esperarem, irão lá novamente, agora, para assistir a uma releitura de algo que sua sobrinha amava na infância. A única certeza é que, tanto você, quanto ela, se emocionarão mais uma vez.

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