Telegram encontra fortaleza no Brasil em 2021 e vira canal de entretenimento e política no País

Há alguns anos atrás, se alguém te perguntasse se você estava no Telegram, provavelmente sua resposta seria: “o que é isso?”. Em 2021, porém, se você tem o aplicativo instalado no seu telefone, deve ter notado que uma grande parte de seus contatos se encaminham, todos os dias, para o mensageiro que se tornou o principal concorrente do WhatsApp no País. 

Criado em 2013 pelos russos Nikolai e Pavel Durov, o Telegram é um aplicativo de mensagem que possui algumas ferramentas em comum com o WhatsApp, mas que ganhou a atenção do público pelas suas diferenças em relação ao serviço provido pelo Facebook. Como um app de conversa, o Telegram permite mensagens em chats privados e em grupo, com a diferença de que é possível criar canais para centenas de milhares de pessoas. Também, a possibilidade de encaminhar mensagens de forma mais fácil, a apresentação do áudio acelerado e grupos públicos (onde é fácil compartilhar conteúdos como vídeos e pdfs, por exemplo).

Segundo o site Sensor Tower, que mede números de downloads de apps, o Telegram chegou a mais de 63 milhões de instalações em janeiro de 2021, sendo o app mais baixado no mundo na época. A alta, em 2021 principalmente, esteve diretamente relacionada a uma polêmica envolvendo os novos termos de uso do WhatsApp, que buscavam oficializar o compartilhamento de dados dos usuários com o Facebook, empresa mãe do app. Esse movimento fez a procura pelo Telegram aumentar no mundo inteiro. (Em comparação, o Telegram ocupava apenas a nona colocação no ranking do SensorTower em downloads no mundo em dezembro de 2020).

No Brasil não foi diferente, mas a popularidade do aplicativo se deu um pouco antes. Em alguns momentos pontuais — e principais — o Telegram se tornou um personagem do cenário político e do entretenimento. Na edição de 2021 do reality global Big Brother Brasil, por exemplo, o Telegram abrigou grupos que burlavam o canal pay-per-view da emissora e informava os fãs, 24h por dia, por mensagens, fotos e vídeos tudo o que estava acontecendo na casa. Esses grupos chegaram a ter mais de 300 mil inscritos e fizeram renda com publicidade e anúncios nos canais. 

Depois do fim do reality, esses grupos se converteram para uma nova fonte de audiência: a CPI da Covid. No mesmo tom das mensagens sobre o BBB, esses grupos passaram a contar, depoimento por depoimento, os acontecimentos da comissão parlamentar de inquérito que investiga a administração do governo Bolsonaro na pandemia. 

O app também caminhou por outra vertente política desde o início do atual governo. Sendo um dos principais redutos de apoiadores do governo, o mensageiro tem constantemente recebido grupos de discussão política, de extrema direita e até um canal comandado pelo próprio presidente para repassar informações aos seus seguidores. Uma grande fábrica de fake news também acontece no app, que é responsável por parte das notícias falsas que surgem no Telegram e depois são importadas para outras redes, como WhatsApp e Facebook. 

Além disso, mais um problema enfrentado pelo app é o controle da pirataria. O app é repleto de grupos que compartilham links, pdfs, vídeos e outros conteúdos de forma ilegal, do ponto de vista dos direitos autorais, e sofre com algumas investigações. Em Israel, por exemplo, a justiça proibiu que o Telegram mantivesse ferramentas de compartilhamento de conteúdo pirata na plataforma e condenou o app a pagar uma indenização de cerca de US$ 165 mil. 

BBB 21 foi no Telegram

Como fonte de informação, os grupos no Telegram contam com um detalhe importante: eles podem comportar milhares de pessoas e não possuem limites em relação ao número de membros. Para acompanhar o Big Brother Brasil neste ano, os recursos foram cruciais e parte do que se tornou uma das maiores comunidades dedicadas ao programa em tempo real.

Lucas Lucena, 22 anos, e Allanis Araújo, 20 anos, são testemunhas do sucesso dessas ferramentas. Ambos administraram o maior grupo na rede social voltado para o BBB, o Canal BBB 21. Ele chegou a ter mais de 320 mil inscritos e era dedicado a contar a vida dos brothers dentro da casa, 24 horas por dia, com mensagens em textos, fotos e vídeos. 

“Começamos a postar como hobby, mas o grupo foi crescendo. Neste ano, estão falando mais do Telegram. Por conta do sucesso do BBB no ano passado, as pessoas estavam esperando que essa edição fosse igual ou ainda maior. As pessoas que utilizam indicam para os amigos. E as pessoas que estão começando a usar o app se interessam pelas ferramentas”, explica Lucena, criador do grupo. 

Nascido em 2020, o grupo terminou a edição passada com pouco mais de 7 mil inscritos. Com apenas duas semanas da edição de 2021, o Canal BBB21 viu sua média de inscritos aumentar significativamente: só no dia 7 de fevereiro, dia da festa que resultou na saída do participante Lucas Penteado, o grupo registrou um aumento de 48 mil inscritos durante a madrugada. 

Segundo Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio), há algum tempo o Telegram vinha desempenhando papel de alternativa ao WhatsApp por alguns nichos. A emergência dos grupos voltados para o BBB, porém, parecem ter furado a bolha na época, aumentando a exposição do app no País.

“Esse foi o segundo grande momento de exposição do Telegram no Brasil. Talvez, seja comparável apenas ao vazamento de mensagens da Lava Jato”, afirma Souza. Ele faz referência ao fato de que os procuradores da operação se comunicavam pelo app, o que possibilitou que as mensagens se tornassem públicas — no app, apenas as mensagens habilitadas como “chat secreto” possuem a proteção de criptografia de ponta-a-ponta.

Com a sede por conteúdo relacionado a BBB no Telegram, os grupos entraram em uma disputa por inscritos — é quase como estar no ‘paredão’. Erica Mathias conta que era parte do grupo Canal BBB 21, mas que divergências fizeram com que ela criasse seu próprio reduto na rede. O Canal Espiadinha nasceu ainda para a edição de 2020 do programa, mas também alcançou o auge neste ano. No auge do reality show, o canal chegou a ter 240 mil inscritos, oe recebia por dia em média 15 mil novos participantes.

“Depois de um ano comentando só porque a gente gostava, eu e alguns amigos decidimos montar uma equipe para comentar realities pelo Telegram. Nesse período inteiro, tínhamos no máximo 4 mil inscritos”. 

Para dar conta de todo conteúdo, os grupos se desdobraram em provas de resistência. As equipes costumavam se dividir em períodos, para cobrir todas as câmeras transmitidas da casa no canal pago da emissora. A partir dessa “curadoria”, o trabalho também envolvia transcrever as conversas, gravar ou procurar os vídeos cedidos pela TV Globo e interagir com os participantes, por meio de enquetes e perguntas no chat — os grupos eram tão organizados que tinham canais dedicados: alguns apenas distribuíam conteúdo, enquanto outros permitiam comentários.   

Todo esse trabalho agradou quem dispensava o programa exibido todas as noites na TV. A designer Julia Gomes, 27, passou a acompanhar o BBB mais pela tela do celular do que a da TV. Ela também ensinou a mãe, Ana Cláudia, 50, a usar os grupos.

“Eu sou usuária do Telegram há muito tempo. Minha mãe usava só profissionalmente, e não sabia desses grupos. Foi a primeira edição que ela ficou realmente empolgada e eu falei para ela acompanhar por lá também. Eu chego em casa e ela já me pergunta ‘você viu o que aconteceu lá no grupo?’. Ficamos bem envolvidas por curiosidade pelo programa mesmo”.

CPI da Covid também é pauta 

Com o fim do Big Brother Brasil, esses grupos ficaram órfãos de um conteúdo que devolvesse a sensação de espiar e comentar o comportamento alheio — mesmo com os realities que entraram na programação da TV Globo e de serviços, como o Amazon Prime. Ainda assim, nenhum deles despertou tanto o interesse da continuidade de pelo menos um desses grupos quanto a CPI da covid, conduzida pelo Senado Federal. No Espiadinha, de Erica, a diversão — ainda atual — não é observar uma casa com anônimos e famosos, mas  seguir as brigas e discussões que se desenrolam no Senado.

A ideia é manter o nível de entretenimento dos quase 150 mil inscritos — o canal  foi derrubado por direitos autorais e precisou recomeçar do zero. Agora, o canal posta mensagens e notícias em tempo real sobre a CPI, com falas de senadores, depoimentos e comentários sobre a sessão e seus participantes — o tempo real conta com a audiência do público também assistindo, já que o “pay-per-view” da sessão é gratuito, no canal do YouTube do Senado. 

As sessões se tornaram populares na internet por ressaltar o caráter conflituoso entre partidos e pessoas, e também por expor figuras políticas que causaram controvérsia por compartilhar ideias anti-vacinas e outras mentiras contrárias à recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). As disputas chamaram a atenção de quem estava acostumado a acompanhar as “cachorradas” nos realities da TV. 

“Eu acredito que a CPI tenha entrado nessa lacuna de entretenimento, mas eu enxergo como algo positivo, porque grande parte dos brasileiros enxergam a política como algo chato, difícil de entender. Então, se você traz para uma linguagem mais popular, isso gera reflexão nas pessoas, elas começam a se interessar. Acho importante que chegue repercutindo dessa forma”, afirma Erica Mathias, criadora do canal Espiadinha.

Para a surpresa dos administradores do grupo, o assunto no chat — grupo separado apenas para os comentários dos inscritos — é o que mais gera engajamento no canal. Bruno Genuca de Moura, de 31 anos, moderador das conversas dos participantes, afirma que o interesse do público no Telegram aumentou muito desde o começo da CPI. Moura explica também que as pessoas que têm interagido sobre o assunto são as mesmas que assistiam o BBB. Agora, mostram uma visão mais politizada do mundo por conta do assunto. 

“Nas últimas semanas, notei o crescente interesse do público do grupo sobre a CPI, aliado com a cobertura do canal. Então, passamos a comentar sobre as reuniões e os depoentes, em tempo real, no momento em que vai acontecendo. É o assunto que tem gerado mais engajamento. Nos dias de CPI, o número de comentários no chat aumenta bastante, mas também observo interesse nos dias em que não há reunião da CPI, membros perguntando quando será a próxima sessão”, explica Moura.

Por lá, o BBB agora é “Big Brother Brasília”, tem paredão e o famoso “o Brasil tá vendo” — na sessão desta terça-feira, 18, por exemplo, o depoente Ernesto Araújo, ex-chanceler, afirmou nunca ter insultado o governo chinês durante a pandemia. Os comentários feitos pelo político, porém, tiveram grande repercussão no Twitter e provam o contrário de sua afirmação. 

“Eu não entendo nenhuma declaração que eu tenha feito como ‘anti-chinesa’, portanto não há nenhum impacto de algo que não existiu”, afirmou Araújo, depois de ser questionado pela conduta controversa sobre a China. Em abril de 2020, o ex-ministro das Relações Exteriores afirmou que a pandemia era de “comunavírus”, comentando um texto que critica o Partido Comunista Chinês e a OMS. Araújo disse que era preciso agir “contra o Coronavírus, mas também contra o comunavírus, que tenta aproveitar a oportunidade destrutiva aberta pelo primeiro, um parasita do parasita”. O ex-chanceler também se envolveu em conflitos com o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming.

A troca de BBB por CPI é uma pista de como o Telegram pode se tornar palanque em 2022, ano de eleição presidencial. O mensageiro, que já observa manifestações políticas com grupos temáticos de ideias de várias ideologias políticas, ganha notoriedade também como um espaço para que não só pessoas vinculadas a partidos de uma forma mais direta possam discutir sobre o cenário atual — afinal, quantos dos seus contatos você percebeu que estão no Telegram agora?

Pirataria

Apesar da bolha que parece se romper em relação ao Telegram, ainda existem muitas questões em relação à permanência dos usuários no aplicativo a longo prazo. Embora o Big Brother Brasil tenha levado milhares de pessoas aos grupos de informações, ainda é difícil prever quantos deles vão ficar pela plataforma, afirma Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio). 

“Ainda existe a dúvida do quanto as pessoas que usaram o Telegram para se engajar em grupões de BBB vão passar a usar o app para suas comunicações do dia a dia. O Telegram funciona muito bem para aglomerar, mas certamente não é o app mais recomendado para trocar mensagens sobre questões íntimas ou sua vida profissional”. 

O principal motivo de desconfiança passa por questões de segurança e por direitos autorais, no caso dos grupos. Isso porque os chats do app não possuem a famosa criptografia de ponta a ponta, como WhatsApp e Signal, o que o coloca um degrau abaixo em relação à privacidade. 

A criptografia de ponta a ponta permite que a conversa seja visível apenas para as pessoas incluídas nas mensagens, o que impede a interceptação e o monitoramento do conteúdo. Com a tecnologia, a empresa provedora do app não pode quebrar esse código para visualizar as informações. É o que falta no Telegram – a tecnologia está disponível apenas no ‘chat secreto’, uma ferramenta do app que precisa ser acessada ativamente. 

Outra barreira para o crescimento que influencia diretamente nos grupos do Telegram é a veiculação de mídias audiovisuais, que podem esbarrar futuramente em questões de direitos autorais. Alexandre Inagaki, consultor em redes sociais, afirma que para manter o número alto de downloads, a empresa terá de entender qual a relação de seus usuários com esse tipo de conteúdo externo. 

“A gente ainda acha muito conteúdo em vídeo na íntegra e até agora parece que as pessoas não perceberam. Acho que esse é um obstáculo que o Telegram vai se deparar uma hora ou outra. A partir do momento que os grandes players de mídia perceberem o que está sendo feito, o grande desafio da rede, se quiser investir nessa área de se transformar em um substituto do Facebook ou do próprio YouTube, vai ser fazer acordos de direitos autorais com esses players de mídia”. 

No início do ano, uma decisão judicial em Israel acusou o Telegram de não impedir a pirataria no app, permitindo a livre circulação de músicas, vídeos e fotos. A justiça israelense proibiu a plataforma de oferecer meios para que esses conteúdos possam circular, o que pode envolver o bloqueio de grupos e canais no app. 

A questão da pirataria acaba virando um entrave até para o investimento de grandes marcas. Inagaki acredita que, se no futuro o app acertar acordos de direitos autorais com produtores, o Telegram pode se tornar uma alternativa viável para criadores de conteúdo publicarem o seu trabalho.

Por enquanto, o app ainda oferece prós e contras e se posiciona em um momento de transição no Brasil entre usuários e potenciais influenciadores. O uso restrito ainda deixa dúvidas se o app pode um dia alcançar o objetivo de competir com o WhatsApp por aqui.

“Se as pessoas estão migrando de espaço, é importante que elas tenham noção das diferenças. Tudo bem falar de temas de maneira mais descompromissada, temas que dizem respeito ao entretenimento. Mas para outras discussões, o Telegram não é o aplicativo mais recomendado”, explica Souza.  

Por Bruna Arimathea