O boom do TikTok: o que há na rede social que está conquistando o mundo?

Para a infelicidade de Mark Zuckerberg, o Instagram e o Facebook não foram as redes sociais que mais bombaram em 2020. O posto de primeiro lugar ficou com o TikTok, o aplicativo que mais acumulou novos downloads durante o ano, tanto no Brasil, como no mundo. O app chinês ultrapassou até mesmo plataformas como o Zoom e o Google Meets, que tiveram seu momento de brilhar graças a alta demanda de reuniões online, impulsionada pela chegada da pandemia do novo Coronavírus. 

De acordo com a Sensor Tower, empresa de análise e pesquisa, apenas no primeiro semestre do ano, o TikTok teve mais de 637,9 milhões de downloads, considerando dados da Apple Store e do Google Play. Apenas em março, mês em que houve uma grande acentuação dos casos de COVID-19 no mundo todo, o app conquistou 115 milhões de downloads, quase o dobro do número registrado no mesmo período em 2019, e que o fez atingir a soma total de 2 bilhões de downloads

E não para por aí. Segundo o levantamento “Every Minute of the Day 2020”, feito pela DOMO, empresa de Tecnologia da Informação estadunidense, neste ano o TikTok foi baixado 2.704 vezes a cada minuto. 

Com esses dados, não dá pra negar: a medalha de campeão foi realmente merecida. Mas de onde veio esse aplicativo? Qual o motivo para esse boom? E o que que há de diferente nessa rede social? Não se preocupe, aqui você vai entender tudo.  

Quando tudo começou

O app, ainda conhecido pelas famosas “dancinhas”, abre seu leque de possibilidades devido a entrada de novos públicos. Ilustração: Natalie Majolo 

Nascido em 2014, TikTok nem sempre foi TikTok. O famoso app chinês de vídeos tinha, inicialmente, o nome de Musical.ly e era, basicamente, uma rede social usada para criação de vídeos de dublagem de músicas — o que conquistou o coração de muitas crianças e adolescentes, que dominavam o app. Se quiser ver alguns exemplos de vídeos, clique aqui

Em 2017, o rumo da rede social começou a mudar. Ela foi comprada pela ByteDance, empresa também chinesa, que era dona do então chamado Douyin — um aplicativo muito parecido. Nessa fusão, surgiu o TikTok, concebido com a meta de ser difundido internacionalmente. E não é que deu certo? 

O sucesso do app começou a se tornar mais evidente no ano passado, quando foi baixado 750 milhões de vezes, principalmente por jovens estadunidenses. Na época, ele era dominado por adolescentes que faziam as famosas “dancinhas”, coreografias rápidas em trechos de música, as dublagens (que são conhecidas por esse nome, mas, na verdade, trata-se de sincronização labial), e os challenges, também chamados de trends, que consistem nos mais diversos desafios. 

E como funciona esse negócio?

Para quem já deu uma fuçada no aplicativo, é fácil entender. Mas aqui vai uma explicação. O TikTok é basicamente uma plataforma de criação e compartilhamentos de vídeos de até 1 minuto. No próprio app, você consegue fazer a gravação e edição das suas produções, ao mesmo tempo em que acompanha aquelas feitas pelos seus amigos e influencers favoritos. 

Ao acessá-lo, você consegue ir para o seu perfil, fazer filmagens e edições, pesquisar o que tem sido feito por outros usuários e ver vídeos em um feed infinito de postagens. Nesse feed, há basicamente duas páginas: uma para ver os vídeos das pessoas que você segue, e outra para ver vídeos selecionados para você pelo algoritmo do app. E é aí que está o grande diferencial. A For You Page, como é chamada, consiste em um local onde é possível ver produções de pessoas do mundo inteiro, escolhidas a dedo para você.

E como todo bom algoritmo, funciona mais ou menos assim: quanto mais você interage com a rede social, mais ela entende do que você gosta. Com esses dados em mãos, ela consegue fazer uma seleção melhor de vídeos, pensados especialmente para você. E voilà. O resultado é um feed recheado de vídeos que vão te prender no app. Até porque, com tudo que a gente gosta dado de mão beijada, fica muito fácil, né?

Diego Davoli trabalha no mercado de marketing digital há 5 anos e é dono da Academia de TikTokers, na qual ensina as pessoas a aumentarem seu engajamento na plataforma. Para ele, outra vantagem do app é justamente o formato do conteúdo que é produzido nele. “O que faz as pessoas ficarem no TikTok é o próprio formato dele, que já é uma grande tendência. Trata-se dos microvídeos: vídeo extremamente curtos e dinâmicos, que engajam”, explica. E justamente por isso, é muito fácil ver vídeos viralizando mesmo sem nunca ter acessado o aplicativo. “Quando você faz um bom vídeo no TikTok, ele acaba bombando no Instagram, no WhatsApp e até no LinkedIn. Isso porque ele tem um formato que é muito bom para ser consumido, uma tendência muito forte”.

Além de tudo isso, o app (ainda) não possui tantos conteúdos patrocinados ao longo do feed. Ou seja, diferente do Instagram, no qual você vê uma propaganda a cada 3 stories ou 4 post, você consegue subir e descer as publicações no TikTok praticamente sem ser parado por publicidades. 

Atualmente, é possível anunciar usando a rede de quatro modos: fazendo parcerias com influencers, que gravam seus próprios vídeos; anunciando na página inicial um conteúdo pago, que aparece apenas uma única vez, quando o usuário entra no app; criando a página da sua própria marca (o que não garante que sua postagem vá chegar a muita gente, já que depende do engajamento com seu vídeo); e patrocinando algum post, o que ainda é feito com uma certa restrição. E ah, é possível também pagar para ter uma música sua como destaque ou fazer sua marca ser patrocinadora de um challenge ou trend especial. Mas isso é papo pra outra hora. 

O que podemos encontrar agora no app?

Agora que você já está a par do funcionamento do aplicativo, vamos falar um pouco sobre o tipo de conteúdo que é possível encontrar nele. Como já pontuado algumas linhas acima, as dancinhas, as trends e as dublagens ainda estão com tudo. Mas o foco deixou de ser apenas esse. Com a popularização do app, ainda mais pessoas, das mais diversas idades, começaram a entrar na plataforma. E, assim, novos conteúdos foram sendo criados — e viralizados. 

Os vídeos sobre moda e maquiagem e os conteúdos de transição foram alguns fora da tríade dancinha-dublagem-challenges que ganharam a plataforma. Dani Azevedo, de 19 anos, estudante de Relações Públicas, é uma das que entrou no app despretensiosamente e hoje acumula 65 mil seguidores que amam seus vídeos de transição e maquiagem. “Eu comecei fazendo umas dancinhas e outras coisinhas bobas, influenciada pelas minhas amigas, que também postavam. Até que um dia eu tentei fazer uma transição, em que eu aparecia toda maquiada, e deu certo. Fui fazendo e foi crescendo, até que um vídeo meu bateu 1,3 milhões de visualizações”, explica. Ela já acumula 1,5 milhões de curtidas na plataforma e tem ganhado cerca de 5 mil seguidores novos a cada semana. 

Para Dani, é justamente as pessoas que estão na plataforma que fazem ela ser muito diferente das outras. Por ter gente de todas as idades, regiões e gostos usando o app agora, é muito fácil encontrar diversos tipos de conteúdos. “Eu gosto muito porque cada um faz o que quer e pode mostrar no que é melhor. E o que mais me chama a atenção é essa diversidade. Encontro de tudo um pouco”, opina Dani. 

Mas também não é só de maquiagem e moda que a rede social vive nos dias de hoje. Como a própria Dani disse, o TikTok atualmente também é uma plataforma onde é possível encontrar vídeos de dicas sobre os mais variados assuntos. Quer aprender como fazer um bolo? Temos no TikTok. Quer dicas de alimentação saudável? Temos também. E dicas de estudo? Essas não faltam. 

Enfim, a lista é infinita. São vários os temas abordados e os tipos de conteúdo: seja dos mais engraçados aos mais sérios, você vai encontrar de tudo. E justamente por esse grande leque de possibilidades que diversos profissionais têm usado a plataforma para divulgarem seus serviços, produtos e produções. Esse é o caso de diversos cantores e DJs, por exemplo, que têm usado a rede para divulgar trechos de suas produções.

Uma vez Musical.ly para sempre Musical.ly?

O aplicativo, que começou justamente como uma plataforma relacionada a música, continua sendo um ótimo local para a divulgação musical de diversos artistas. Inclusive brasileiros. Antes, por ser um app muito focado no público adolescente e estadunidense, as músicas que mais viralizavam eram as internacionais

Agora, a proposta vai um pouco mais além. Os artistas brasileiros ganharam espaço e cada dia mais produções nacionais, dos mais diferentes estilos musicais, entram para a lista de músicas usada dentro do app (seja pelo pagamento de patrocínio, seja pelo gosto dos usuários). As coreografias e dublagens continuam com toda força dentro do TikTok, mas agora também ao som de funk, sertanejo e pagode.

O DJ TOPO foi um desses produtores que aproveitou o boom do aplicativo para divulgar suas músicas. Atualmente ele tem mais de 580 mil seguidores e 6,4 milhões de curtidas na rede. Os seus vídeos que mais bombam são os remixes que faz de músicas que viralizaram no app, transformando-as em “ravefunk”. Também conhecido como funkrave ou megabaile, trata-se de um ritmo de funk feito com base em batidas da música eletrônica (você pode ver alguns exemplos clicando aqui e aqui).

O DJ TOPO, na verdade, se chama Thiago Toporcov (sim, é daí que vem o nome artístico). Ele é DJ há aproximadamente 3 anos e produtor há 5. Começou na música tocando violão e guitarra quando era pequeno, instrumentos que aprendeu sozinho. Depois, aos 14 anos, a paixão evoluiu para a música eletrônica, quando começou a ir nas matinês por São Paulo. E ele saiu das baladinhas decidido: queria aprender a fazer aquele tipo de música também. Com a ajuda de seu tio, ele foi descobrindo plataformas, e depois de muita pesquisa, fez suas primeiras produções.

Ele criou alguns projetos de eletrônica, que não foram para frente. “A cena de eletrônica era muito fechada. Não deu muito certo mesmo com as músicas viralizando. Então, eu desisti do estilo”, diz. Mas apesar da primeira porta fechada, ele não desistiu. E é justamente aí que vem o funk.

“Eu tinha um pouco de preconceito no começo. Eu sempre gostei de funk, mas nunca me imaginei fazendo sério um projeto. Então, comecei a ver o DJ GBR, o DJ Henrique de Ferraz e essa mistura de eletrônica com funk, e resolvi me introduzir”, comenta o DJ. Ele preparou um set com várias músicas no estilo funkrave, lançou e, logo de início, já percebeu que tinha visibilidade. Resolveu investir (ainda bem).

Mas antes de começar a investir na pegada mais eletrônica do funk, ele já escutava de alguns influenciadores que o TikTok e o LinkedIn eram as redes sociais do futuro, já que possuíam mais alcance orgânico. Apesar disso, nunca tinha parado para investir no aplicativo – o que mudou com o boom ocorrido o começo da pandemia. “Passei horas na plataforma para entender como funcionava. Aí, quando eu lancei a versão brasileira fazendo funk com as músicas que estavam viralizando no TikTok, foi uma virada de jogo para a minha conta e para o meu perfil”, explica.

Uma das coisas que mais chamou a atenção de Thiago foi a grande possibilidade de interação que um usuário pode fazer com qualquer produção publicada na plataforma. É possível, por exemplo, usar o áudio do vídeo de uma outra pessoa nas suas próprias filmagens, o que acontece muito com as músicas do DJ TOPO, que são usadas por vários influencers para fazer as “dancinhas”. Foi o caso da música Devagarinho, que possui mais de 165 mil vídeos gravados na plataforma. 

“Eu me surpreendi bastante com o espaço que eu encontrei no TikTok. Essa coisa das pessoas poderem usar o áudio é muito diferente, faz com que o alcance se multiplique e a interação com meu conteúdo seja muito forte”, explica. E a plataforma funciona assim mesmo. Vamos pegar um exemplo. Em determinado vídeo, em que DJ TOPO faz um remix de funk da música “Wrap Me Up”, ele conseguiu 3,2 milhões de visualizações. A partir dessa primeira gravação, outras 2828 pessoas usaram o áudio dele em novos vídeos. Novos vídeos esses que tiveram 787,3 mil, 159 mil e 128,8 mil visualizações, e por aí vai. Ou seja, milhões de pessoas foram atingidas pela música do DJ. E o melhor: de forma orgânica.

Para Diego, da Academia de TikTokers, de fato esse é o grande diferencial do aplicativo. “Boa parte das pessoas que estão lá gostam de estar lá porque veem suas produções viralizarem ou ganharam um grande número de visualizações. Todo mundo se sente como se fosse um ícone influente dentro do TikTok”, explica.

Muito além do que música, dancinha e maquiagem

            E foi justamente esse alcance orgânico que chamou a atenção de Camila Gutz, de 28 anos, fisioterapeuta uroginecológica. No dia a dia de Camila, ela está acostumada a ajudar mulheres a resolverem disfunções sexuais, urinárias e do assoalho pélvico, no geral. E foi nas redes sociais que achou o lugar ideal para encontrar essas mulheres que estão em busca de apoio. Por isso, há três anos, ela usa a internet para falar não só sobre a fisioterapia pélvica em si, mas também sobre sexualidade e mundo feminino. Tudo sem tabus. 

Quando Camila percebeu o grande crescimento do app em 2020, logo se inscreveu em uma mentoria, na qual aprendeu a como crescer no aplicativo. Seguindo as dicas ensinadas durante as aulas, ela viu seu engajamento crescer de forma rápida e consistente.  “Em menos de uma semana, eu já estava com 10 mil seguidores no TikTok. E foi crescendo aos pouquinhos. Até que viralizou um vídeo meu, que teve mais de 3 milhões de visualizações. Da noite para o dia, o meu TikTok bombou e meu Instagram bombou como consequência. Daí já começaram a surgir várias oportunidades, tanto de atendimento, como de mentoria, de consulta e de palestra”, conta. Hoje em dia ela tem 240 mil seguidores e mais de um milhão de curtidas no app. 

Para a fisioterapeuta a maior vantagem também é conseguir levar vários de seus seguidores do TikTok para o Instagram, onde consegue vender melhor seu trabalho e seus cursos. “Eu faço um vídeo lá no TikTok, aí viraliza e as pessoas vêm para o meu Instagram. Assim, eu consigo filtrar e ter uma captação de seguidores, sem pagar por isso”, explica. Sendo assim, é possível considerar que a plataforma se tornou rentável para Camila, já que é graças a seus vídeos e dicas, que consegue diversas clientes. 

Esse é um dos vários casos que mostram que é possível, sim, ganhar dinheiro usando a plataforma. Diego também explica que, apesar da plataforma não oferecer dinheiro para seus influencers, como acontece nos Estados Unidos, ainda é possível conseguir rendimentos por meio do seu uso. “Existem quatro formas de ganhar dinheiro no TikTok. A primeira é através do TikTok Bônus, uma promoção em que você ganha R$ 2 por cada amigo que você convida a entrar na plataforma. A segunda é recebendo dinheiro das pessoas durante lives. A terceira é se tornando influencer, o que pode fazer você ser procurado por marcas. E a última forma é usando a rede social para se tornar uma referência em algo que você trabalhe ou que pense em trabalhar”, explica. 

O que o futuro reserva para o TikTok?

E após histórias e mais histórias de sucesso, ainda há quem se pergunte: mas será que isso não foi só um boom causado pela “falta do que fazer” durante a pandemia? Na verdade, pelos dados, talvez tenha sido impulsionado por isso, sim. Mas o fim do aplicativo está longe.

Para Dani Azevedo, que usa o app como um hobby, ele veio para ficar. “Eu acho que ele vai continuar sendo uma rede social relevante no Brasil, apesar de não superar os Estados Unidos. Principalmente porque diversos criadores de conteúdo ficaram famosos na plataforma. Acho que eles vão continuar firmes nas produções”, diz. 

Já para Diego, que estuda o app mais a fundo, os próximos meses serão decisivos para o sucesso no Brasil. “A pandemia aflorou tudo que há em termos de digital, inclusive o resultado do TikTok. E os próximos meses vão ser decisivos, já que muitas pessoas baixaram no meio da crise e agora estão voltando ao seu ritmo atual de vida, ficando menos tempo na internet como um todo”, comenta. 

Independentemente do que o futuro reserva para a rede social, uma coisa é certa: quem foi fisgado pela rede sabe o quanto é viciante e prazeroso ficar preso no feed infinito de vídeos. E provavelmente, essas pessoas não vão abrir mão desse tempinho de diversão durante o dia… Mesmo que as horinhas disponíveis durante a pandemia se tornem apenas alguns minutos daqui pra frente.

Por Fernanda Teles / fernanda.teles@usp.br