“Não amava o meu bebê; quase o matei”

O drama e a pressão sobre as mulheres que sofreram com a psicose pós-parto

Durante nove longos meses, gestantes guardam dentro de seus ventres o maior de seus tesouros: seu bebê, seu maior feito, sua mais honrosa conquista, seu maior motivo de orgulho. Entre noites em claro, enjoos e preocupações, as quarenta semanas da gravidez podem parecer intermináveis, sempre acompanhadas pela ansiedade de se ter, em breve, um neném em seus braços.

Sob certos aspectos, a gestação chega ao seu clímax durante o parto. É nesse momento que a expectativa e a felicidade, fiéis companheiras da grávida, dão lugar à dor, à respiração ofegante, à pressa. Uma vez finda essa parte do processo, costuma-se pensar que o que resta é a alegria, as noites em claro que agora serão passadas na mais pura admiração do recém-nascido. Mas nem sempre é assim. 

Para algumas mulheres, o parto é simplesmente a porta de entrada para a pior experiência de suas vidas: a psicose puerperal, também conhecida como psicose pós-parto.

Trata-se de uma doença relativamente rara: apenas 1% ou 2% dos partos termina em psicose. O transtorno tende a se manifestar de repente, sem avisos ou prenúncios. Embora mulheres que já apresentam outras doenças mentais, como depressão e ansiedade, devam ficar mais alerta quanto aos riscos de desenvolver a psicose, esta pode afetar qualquer gestante.

Os sintomas costumam ser graves: mudanças de humor abruptas, paranóia, alucinações irritabilidade, privação de sono, entre outros. A psicose pode se manifestar de diversas formas. É possível, por exemplo que a mãe adote uma postura superprotetora em relação ao neném. Outra opção é que ela não sinta ligação afetiva alguma com o recém-nascido. Em casos extremos, a mãe pode até mesmo adotar um comportamento violento e considerar matar o seu neném.

Comecemos aos poucos.

Em 2009, A.I., fisioterapeuta residente de Curitiba, teve sua primeira filha. Mas a gestação esteve longe de ser tranquila. “Eu passei por muito estresse. Meu marido na época, hoje ex-marido, me violentava física e verbalmente com frequência. Ele gritava, dizendo que já não queria aquela vida para ele, ainda que a tivéssemos planejado juntos.” Desesperada frente à possibilidade de ter que criar a neném sozinha, ela pediu que o então marido esperasse o nascimento da bebê para decidir se continuaria com ela ou se optaria pela separação.

“Depois que nossa filha nasceu, ele melhorou. Chegou a ficar legal e me tratar bem por uns dois meses. Mas não demorou para que começasse a sair de madrugada, enquanto eu tentava fazer a nossa filha dormir, sozinha.” A situação ficou insustentável.

O nervosismo gerado pela instabilidade da relação com o marido fez com que A.I. desenvolvesse gastrite e tivesse pesadelos recorrentes noite após noite, entre muitos outros efeitos colaterais dos maus tratos. 

“Os sintomas mais nítidos foram a perda de cabelo e de concentração. Eu não conseguia comer. Me olhava no espelho e não me reconhecia. Eu era uma pessoa muito triste. Sentia vontade de chorar compulsivamente, pensava obsessivamente sobre o que minha vida havia se tornado.”

Quatro meses após o nascimento da bebê, o casal enfim optou pela separação. A.I. sentia-se sozinha, abandonada, perdida. Sabia que algo estava errado, mas não sabia como consertar. O desespero para mudar algo em sua vida era tamanho que a fisioterapeuta passou a considerar o suicídio e até mesmo a doação da sua recém-nascida.

Como consequência, ela passou a cuidar da filha de muito perto — perto até demais. A curitibana chegou a passar uma semana inteira em claro para não ter que tirar os olhos da menina, com medo de que algo ruim pudesse acontecer justo nos segundos em que ela desviasse a atenção. “Para mim, a psicose se manifestou como cuidado excessivo, o que também é um mau sinal. Psicose não é só violência”, comenta. A. I. chegou a considerar disponibilizar a filha para adoção, tamanho o seu desespero.

De acordo com ela, o transtorno a fazia pensar em coisas em que nunca pensaria se estivesse saudável. Um exemplo é o suicídio: ela chegou a contemplar tirar a própria vida durante a manifestação da psicose. Contudo, agora que ela se encontra em um estado mental melhor, essa opção parece nunca lhe ter ocorrido. “É bizarro. Você considera alternativas que parecem não vir da sua própria mente, que não pertencem a você, não combinam com o que você quer.”

Para A.I., a combinação de sessões de terapia com os cuidados de algumas pessoas próximas e a prescrição de remédios bastou para que ela recuperasse sua saúde mental. Atualmente, ela se encontra bem e totalmente apaixonada por sua filha, de quem tornou-se muito próxima.

Mas as consequências da psicose pós-parto podem ser muito mais traiçoeiras e letais do que foram para a curitibana. No caso da jornalista de 27 anos Priscila Romalino, residente de Maringá, o transtorno trouxe a morte para muito perto.

Priscila foi diagnosticada com psicose pós-parto em 2017, aproximadamente dois meses depois do nascimento de sua segunda filha. Os primeiros dias depois do parto foram cheios de otimismo e alegria. Tudo parecia correr bem.

“Eu estava muito feliz, radiante. Parecia que estava vivendo em um comercial de margarina de tão perfeita que estava a minha vida. Lembro de olhar para o meu marido e perguntar: ‘Você está feliz? Eu estou muito feliz!’ Era meio doentio, entende?”

Era a psicose. Como disse A.I., nem todos os efeitos do transtorno parecem imediatamente negativos ou violentos. Logo surgiram os primeiros sintomas, os quais Priscila chama de flashes de insanidade. Eram alucinações. Aos olhos da jornalista, os delírios confundiam-se perfeitamente com o real. Ficou impossível distinguir o que era verdade ou não.

“Era como se alguém estalasse os dedos e outra realidade se formasse diante dos meus olhos. Eu começava a procurar minha neném enlouquecidamente pelo quarto, mesmo sabendo que ela estava no colo de alguém e próxima de mim.” Era desesperador. E, tão rápido quanto chegavam, os flashes sumiam, deixando a paranaense confusa e exausta.

Aos poucos, o comportamento de Priscila se tornava progressivamente agressivo. Conforme os flashes se tornavam mais frequentes, ela sentia como se estivesse passando cada vez mais tempo em sua realidade paralela. Quem sofria as maiores consequências era sua filha.

“Uma noite, ela começou a chorar, e eu comecei a chacoalhar seu corpo com força — tanta força que meu marido teve que intervir. Colocamos a bebê no sofá, ao meu lado, mas seu choro não parava. Então, veio um flash. Entrei na realidade alternativa. Nela, ouvi algo me dizendo para tapar o nariz e a boca da minha neném, pois isso faria com que ela parasse de chorar. Eu ouvia claramente uma voz na minha cabeça me mandando silenciar a minha filha a qualquer custo. Ela tinha que parar de chorar.”

Priscila encarou a neném, ponderando sobre o que fazer em seguida.

“Tentei tapar sua respiração, mas não tive coragem. Alisei o narizinho dela por uns cinco minutos, mas não consegui continuar. Em um estalo, me dei conta do que tinha chegado perto de fazer e pedi para o meu marido tirá-la de perto de mim. Voltei, em um flash, à realidade.” Não demorou para que Priscila entendesse o que tinha acabado de acontecer: ela havia chegado perto de tirar a vida da sua própria neném. Vale destacar que o infanticídio (ou seja, o assassinato de crianças ou recém-nascidos) é resultado da psicose pós-parto em 4% dos casos.

Por duas semanas, a paranaense foi impedida de ficar sozinha com a filha. Embora não tenha sido internada, seu marido não dormia enquanto ela estava com a bebê, em uma tentativa de impedir que elas ficassem a sós e prevenir o pior. Por seis meses, a jornalista foi a sessões de terapia e fez um tratamento psiquiátrico com remédios.

Para Priscila, uma das maiores surpresas resultantes do tratamento não foi exatamente positiva, mas sim um cair da ficha: aquele cenário de comercial de margarina em que ela sentia figurar logo depois do parto também era falso, meramente sintomático da psicose. O transtorno a fez sentir diversos sentimentos e emoções intensas, nem sempre ruins. “Foi um choque perceber que aquela vida perfeita que eu enxergava era falsa.” 

Contudo, para a paranaense, a parte mais difícil não foi essa. “Lidar com a culpa de ter tentado algo contra minha filha, mesmo que de forma inconsciente, foi uma luta. Pouquíssimas pessoas sabem de tudo que aconteceu; eu não tive coragem de contar para meus sogros, cunhados ou irmão. Me dói quando dizem que uma mãe que machuca ou abandona seu filho merece a morte. Sei que nem todo caso se encaixa na psicose, mas há muitas mulheres que passam pelo que eu passei. Não é nossa culpa. É uma doença.”

Hoje, Priscila está muito melhor: voltou a trabalhar e nunca mais apresentou sintomas de psicose. “Já consigo falar de tudo que aconteceu sem chorar, o que é um bom sinal. Estou orgulhosa de mim.”

São numerosos os casos de psicose pós-parto espalhados pelo mundo, e nem todos são tão passageiros quanto o de Priscila — especialmente quando não são tratados da forma adequada.

Para a esteticista Juliana, recifense de 26 anos, a situação é mais complexa, duradoura e muito mais recente. Em maio de 2019, dois meses depois de dar à luz seu segundo filho, ela foi diagnosticada com psicose pós-parto. E seus sintomas passaram longe de serem fracos ou passageiros.

“Eu escutava vozes que não existiam. Ouvia claramente meu bebê e meu marido me chamando de burra, dizendo que eu sou inútil.” Atormentada, a recifense sentia-se sob ataque em sua própria casa, como em um estado de constante paranóia e desconfiança. Eram os delírios, conhecidos sintomas do transtorno.

Muito bem casada há oito anos com o pai de seus dois filhos (ela também tem uma menina de cinco anos), Juliana nunca havia tido problemas com a gravidez até engravidar no ano passado. “Tenho uma filha que amo muito. A gestação dela, diferente da última, foi planejada, uma alegria só.” 

Assim, foi um choque quando, depois do nascimento de seu segundo filho, a mãe simplesmente não se sentiu próxima do neném. Era algo totalmente diferente do que ela havia experimentado com sua filha. Da segunda vez, conta a esteticista, não houve felicidade em momento algum da gestação ou durante o período posterior ao parto.

No começo, Juliana acreditou tratar-se apenas de uma falta de aproximação entre mãe e recém-nascido, algo que poderia ser consertado com o tempo e a convivência. No entanto, ela precisou recorrer a ajuda quando chegou perto de afogar seu neném quando ele tinha somente dois meses de idade.

“Era a hora do banho matutino do bebê. Acabei soltando seu corpo dentro da banheira., Coloquei sua cabeça debaixo d’água e me afastei. Fiquei olhando seu corpo submerso por alguns instantes. Tudo o que eu conseguia pensar era o quanto eu queria que o meu sofrimento tivesse fim. Depois de algum tempo, retirei-o da banheira. Desisti da ideia.”

Muitas vezes, como no caso de Juliana, a psicose pós-parto se apresenta na forma de uma falta de conexão entre a mãe e o recém-nascido. Assim, ela se torna praticamente insensível ao instinto de amar e proteger seu bebê, tão comum entre mães das mais diversas espécies do reino animal.

Os efeitos do transtorno permanecem com a esteticista até hoje. “Senti culpa pelo que fiz e sinto até hoje. Mesmo assim, sei que não amo o meu bebê. Amo minha filha mais velha muito mais do que amo meu filho. Mas é claro que não conto isso a ninguém.”

Um aspecto que deve ser ressaltado é o de que Juliana ainda não concluiu seu tratamento para psicose. Ela chegou a tomar remédios específicos para a doença e foi a algumas sessões de terapia, mas teve que mudar os planos por causa do neném. O aumento da dose do medicamento, necessário para seu bem-estar, não é possível no momento, uma vez que ela ainda amamenta seu filho e o remédio afetaria seu leite.

“Ainda me sinto muito mal. Não são raros os dias em que ouço vozes ou que me vejo em meio a delírios. Mas está mais tranquilo. Acho que acostumei com a situação.”

É fácil perceber que a culpa foi presente ao longo da duração da doença em todas as mães que contaram suas histórias. Mesmo sabendo que se trata de um transtorno involuntário e incontrolável, a sensação parece ser intrínseca à psicose pós-parto.

Para a técnica de enfermagem Roberta Paixão, carioca de 41 anos, a psicose trouxe o sentimento de culpa ainda mais intensamente. Tudo aconteceu em 2012.

Depois de passar alguns dias com sua filha no hospital, ela mal podia esperar para finalmente pegá-la no colo — até então, a neném estava sob cuidados médicos. Mas o primeiro contato com seu bebê não foi como ela esperava.

“A doença se manifesta de forma muito controversa, é tudo muito confuso. Quando a colocaram no meu colo, a primeira coisa em que pensei foi ‘Joga ela pela janela. Se livra dessa criança’”, contou Roberta. “Ao mesmo tempo em que pensava em jogar a bebê no chão, tinha pensamentos do tipo ‘E se ela se machucar?’. Era uma bagunça”, contou.

Depois de certo tempo, a enfermeira foi à obstetra, que a receitou um remédio e a aconselhou a fazer terapia. Mas, mesmo com ajuda, a situação de Roberta era desesperadora. “Cheguei a pensar em tirar a minha vida. Os pensamentos ruins não paravam, era insuportável. Não podia ficar sozinha com a minha filha. Era uma desgraça”, relembrou. 

“Foi difícil também sob o aspecto de que eu trabalho como animadora de festas”, afirmou a enfermeira. “Ter que parecer feliz o tempo inteiro, mesmo estando muito longe disso, foi complicado.”

Mas a pior parte da doença, de acordo com Roberta, não era a psicose em si. “O que mais doía era o olhar dos outros. O julgamento, as perguntas de ‘Por que você não quer ficar com a sua filha?’. O pior, o mais dolorido que nós temos que aguentar é a crítica”, opinou.

É importante contextualizar a gama de sentimentos e sensações experimentados por essas mulheres no atual cenário social e histórico. Além da culpa individual que cada uma dessas mães sente por causa daquilo que fizeram ou pensaram em fazer durante o desenvolvimento da psicose, existe ainda a força da pressão social colocada por uma sociedade que fixa nas mentes femininas a ideia de que ser mãe deve estar entre seus maiores objetivos de vida. 

Dessa forma, as mulheres que desenvolveram psicose pós-parto lidam ainda com o sentimento de frustração frente à incapacidade de cumprir o papel que uma cultura patriarcal e machista impos a elas. Afinal, elas podem ser vistas por olhos críticos não apenas como más mães, mas como pessoas cujo papel na sociedade não foi cumprido de acordo com as expectativas. As dificuldades por elas enfrentadas na luta contra a psicose empalidecem frente a julgamentos apressados de pessoas a quem só importa o simplista raciocínio de que mulheres foram feitas para engravidar.

E a pressão está sobre todas nós. Não à toa, estudos publicados em renomados periódicos científicos, como a Evolutionary Psychology (2009), constatam a presença de sensações de preocupação em relação a ser uma boa mãe e altos níveis de estresse ligados à pressão da maternidade inclusive entre mulheres que não pretendem ter filhos. 

Com o fortalecimento de movimentos feministas, que resultaram na conquista do voto e de grande parte do mercado de trabalho pelas mulheres, a visão de que o sexo feminino é apropriado apenas para a reprodução ficou um pouco para trás. Ainda assim, não raramente espera-se das mulheres que trabalhem, sejam independentes, tenham filhos, cuidem da casa, e realizem outras diversas tarefas hercúleas dia após dia. Pouco importa, por exemplo, que mães que trabalham fora de casa sintam aproximadamente 40% mais estresse do que as demais, de acordo com estudos recentes. 

Somando-se a psicose pós-parto a esse cenário altamente prejudicial para a saúde mental feminina, não é difícil perceber que as mulheres que desenvolvem esse transtorno têm muito com o que lidar. Em falando-se delas, o importante é manter em mente que elas são simplesmente vítimas de uma doença mental, e devem ser compreendidas como tais. Assim como indivíduos ansiosos ou deprimidos, essas pacientes precisam de tratamento para que retornem ao seu estado mental saudável. Estigmatizá-las e retratá-las como más mães seria um desserviço a elas e aos seus filhos, assim como a todos que possuem algum 

tipo de transtorno mental. 

Vale ressaltar ainda que a psicose pós-parto é apenas uma das situações que podem acometer a mulher depois do nascimento de seu neném. Outro caso, muito mais comum, é a depressão puerperal, que afeta uma em cada cinco mulheres no Brasil. Os sintomas desse transtorno costumam ser a melancolia e o desânimo profundos. No entanto, trata-se de um problema possivelmente evitável: estudos mostram que o acompanhamento terapêutico pode reduzir em até 39% a probabilidade de uma gestante apresentar depressão pós-parto.

Por isso, é extremamente importante que a gestante tenha acompanhamento psicológico depois do nascimento do bebê — e, se possível, também durante a gravidez. Ter um terapeuta por perto pode ajudar a identificar sintomas de depressão ou psicose pós-parto o mais cedo possível e prevenir situações perigosas como aquelas pelas quais passaram Priscila e Juliana. Mesmo que a mulher não apresente nenhum transtorno depois do nascimento do bebê, ter alguém para conversar sobre todas as mudanças que ocorrerão nessa nova fase e toda a pressão envolvida em todo o processo é fundamental. Nessa época de sensibilidade inevitável, apoio é essencial. 

Contudo, diferentemente da psicose, a depressão pós-parto não provoca um afastamento da realidade. Trata-se de uma neurose que afeta profundamente o humor e o cotidiano da mulher, mas não provoca delírios.

Outro ponto que precisa ser discutido é o que acontece depois da psicose. É claro que, para muitas mães, o transtorno é algo que pode ser deixado para trás, como um pesadelo que já terminou. Com o tratamento correto, quase todas as mulheres alcançam a remissão total quanto à psicose puerperal.

Porém, para muitas outras, o transtorno é a porta de entrada para uma vida em que a saúde mental estará permanentemente abalada. É comum, por exemplo, que as pessoas que passaram pela psicose pós-parto desenvolvam outros transtornos afetivos ao longo da vida, mais provavelmente dentro do espectro da bipolaridade. O período pós-parto está, portanto, estreitamente relacionado à saúde feminina, com implicações tanto mentais quanto físicas.

Como já foi mencionado, o desenvolvimento de transtornos puerperais é um risco muito possível para mulheres que já apresentaram dificuldades em relação á manutenção de sua saúde mental. Porém, até mesmo quem sempre teve um psicológico perfeitamente equilibrado pode ter dificuldades nesse período: mulheres sem histórico psiquiátrico algum têm 25% de chances de desenvolver algum transtorno nesse momento.

Mas por que tantos problemas podem surgir logo depois do parto?

O que acontece é que o puerpério é um período extremamente delicado. Durante ele, a mãe passa por intensas sensações de fragilidade física e mental ao mesmo tempo. O corpo, ainda inundado por hormônios, começa a se recuperar da gravidez, enquanto a mente tenta se adaptar às diversas mudanças provocadas pelo nascimento de um bebê.

Não à toa, é muito comum que, imediatamente depois do parto, a mulher passe por mudanças bruscas de humor e se sinta pressionada para ser uma mãe perfeita. Quando ela compara seu estado emocional sensível à imagem idealizada de um nascimento, — como aquela propagada por filmes, revistas e redes sociais, onde a mãe segura seu amado bebê com um lindo sorriso no rosto e um corpo impecável — ela se sente emocionalmente incapaz de ter e criar aquele bebê. Esse estado é conhecido como baby blues, algo como “tristeza do bebê”, em tradução livre. Embora muito comum, o baby blues tende a passar depois de alguns dias, quando o equilíbrio hormonal e psicológico é restabelecido. Caso contrário, a situação pode se agravar e evoluir para uma depressão ou psicose puerperal.

Assim, dada a combinação de fatores hormonais e pressão social, não é de se estranhar que seja durante a época pós-parto que a mulher se encontra em um dos estados mais delicados pelos quais irá passar durante toda a vida. Afinal, evolutivamente falando, o sexo feminino está “condenado” a ficar fragilizado depois do nascimento do neném.

Tampouco essa fragilidade torna as mulheres menos fortes do que suas contrapartes masculinas. Afinal, é preciso muita coragem para passar por nove meses de enjoos, desconfortos e mudanças de humor incontroláveis, enfrentar um parto que envolve infindáveis momentos de dor intensa e então dar à luz um ser que, seja física, financeira ou emocionalmente, dependerá para sempre de você. Ter um filho é comprometer-se a um sacrifício vitalício que muitas mulheres — inclusive aquelas cujas histórias foram contadas neste texto — têm o prazer de fazer. 

Quando nem todas as partes desse processo funcionam da forma que se espera, não demora para que a sociedade torne seus olhos às mães imperfeitas e as julgue como péssimos espécimes do sexo feminino. Por isso, é importante lembrar: ser mulher é muito mais do que ser mãe. É ser forte, é sangrar todo mês e se manter de pé, é enfrentar assédio e preconceito em absolutamente todo lugar, é ser julgada pela roupa, pelo cabelo, pelo rosto, pela inteligência, pela capacidade de cuidar de seus filhos. Reforçar esse julgamento contribui apenas para que mulheres se sintam mais pressionadas e menos parte da sociedade.

Esse tipo de pressão é tão comum que todas as mães que contribuíram com este texto por meio de seus relatos afirmaram ter medo de compartilhar suas histórias com outras pessoas. Isso se deve justamente ao receio de serem mal vistas e incompreendidas. Como se não bastasse a culpa que atribuem a si mesmas, todas essas mulheres têm de viver com o fardo de não poderem desabafar com praticamente ninguém. 

Por Sabrina Brito
sabrinagabrieladebrito@gmail.com