Em quarentena, atividades físicas só dentro das paredes de casa

Atletas ou não, amantes da atividade física procuram por maneiras alternativas de continuar se exercitando mesmo sem poder usar seus espaços tradicionais

A COVID-19 obrigou as pessoas a ficarem em casa e esvaziarem os locais movimentados. Mesmo com uma quarentena voluntária, sem a alta adesão da sociedade como é o caso do Brasil, observamos o fechamento do comércio e do setor de serviços  como um todo, permanecendo apenas o considerado como essencial, o que mudou costumes e hábitos e transformou o mundo. Com mais de 40.000 pessoas mortas apenas no Brasil, mais de 400.000 pelo mundo, e quase oito milhões de casos, as pessoas tiveram de reinventar seus hábitos para continuar com suas rotinas. 

 Nesse contexto, todas as atividades que precisavam de aglomerações foram adiadas ou até mesmo canceladas, e isso inclui academias, campeonatos profissionais e amadores, espaços públicos para exercícios físicos entre outros. Para suprir a necessidade de se manter em atividade, as pessoas passaram a adotar treinos em casa, e o conteúdo online referente a isso passou a ser mais comum nas nossas redes sociais.

 Mesmo em países que já estão em uma fase mais avançada da reabertura, os cuidados de saúde passaram a ser mais rígidos e rigorosos, e equipes profissionais de alguns esportes passaram a adotar regimes de treino individuais ou em um grupos menores, para evitar contatos físicos e aglomerações entre os jogadores. Além disso, nas ligas onde propuseram a volta do esporte profissional, como o caso da Liga Alemã de Futebol, o governo dos países interferiu e testou todos os jogadores, para garantir que a volta às atividades não fosse a risco aos atletas. 

Mas em um contexto mais próximo das pessoas comuns, a quarentena pode fazer com que as pessoas passem o dia inteiro sentadas apenas na frente do computador, o que já sabemos que pode ser muito prejudicial a saúde. Os cuidados básicos devem ser intensificados durante a prática do exercício físico. A OMS recomenda que sejam feitos apenas dentro de suas casas, contudo, existem maneiras seguras de se praticar exercícios fora dela, afinal, nem todos possuem o espaço necessário para a prática de atividades físicas. O que recomenda-se, é que sejam realizadas atividades individuais, como ciclismo ou até mesmo uma corrida, e que aconteçam isoladas, longe de qualquer grupo, tomando cuidados básicos como o uso da própria garrafa d’água, levar um frasco de álcool em gel junto, evitar qualquer contato com qualquer superfície ou pessoa, e, caso precise, o uso de toalha é individual. Além disso, recomenda-se também o uso de máscaras para a realização da atividade física. 

Luana Corradine é técnica de algumas equipes de handebol universitário em São Paulo, e para ela, “O exercício físico na quarentena permite não só um estilo de vida mais ativo, o que já faz parte das diretrizes mundiais da saúde, mas nos ajuda também a trabalhar com a nossa ansiedade e estresse, ambos tão presentes nesse momento de mudanças. Além disso, pode ser um momento de lazer longe das telas”. 

As academias, que não estão abrindo em São Paulo, passaram a ter que adotar outras maneiras de manterem seus assinantes. Com isso, novas plataformas para lecionar treinos em casa passaram a surgir, e outras que existiam antes da pandemia passaram a ter maior relevância. 

E, se antes da pandemia, a OMS já dizia que quase metade (47%) da população do Brasil não praticava o mínimo de exercícios para manter o corpo saudável, sendo o líder no ranking de sedentarismo na América Latina e o quinto no mundo todo, agora com uma pandemia que não permite sair de casa o problema tende a se agravar. 

Por isso, a população precisa encontrar formas de se exercitar sem sair de seus lares, com o apoio de plataformas de vídeo aulas, vídeos de coreografias no youtube, adaptar o treino, adaptar instrumentos de academias, usar dispositivos que acompanham o desempenho físico, utilizar de aplicativos feitos para treinos caseiros, tudo isso para acompanhar e desenvolver a saúde do corpo mesmo sem sair de casa. 

As atividades físicas são causadoras de diversos benefícios para a saúde do corpo humano, como por exemplo: a prevenção do desenvolvimento de doenças crônicas nãos transmissíveis como hipertensão e diabetes, melhora do condicionamento muscular e respiratório, melhora na qualidade do sono, redução do estresse e o fortalecimento do sistema imunológico, que neste momento de pandemia é essencial para a saúde.   

Victor Hugo Cappelini, relações públicas de 26 anos, passou a treinar em casa após o começo da quarentena. Ele conta que já realizava atividades físicas regulares desde 2018, mas após a quarentena, passou a práticas treinos físicos com mais frequência. A história de Vitor ecoa entre muitas das pessoas em isolamento social. 

Estudos revelam que os dias tendem a passar mais devagar na quarentena, mas ao mesmo tempo, a falta de qualquer fator diferente no cotidiano também causa uma sensação de que longos períodos de tempo passaram mais rápido em relação ao mesmo período de anos anteriores. Por exemplo, para quem está em casa de o fim de março ou começo de abril, pode se surpreender constantemente quando olha para o calendário e observa que estamos em junho. 

A prática de atividades físicas pode aparecer, nesse cenário, como algo diferente para o dia a dia em casa, segundo Victor, por exemplo, “nos dias de descanso ou nos quais eu acabo não conseguindo treinar sinto uma alteração considerável no meu humor”. Além disso, ele também comenta que “meus dias com treino são muito melhores, consigo passar mais tempo concentrado no trabalho e acabo tendo noites de sono muito melhores. Quando não treino, tendo a ficar mais ansioso e tenho dificuldades para dormir”. 

Assim como ele, Juliano Souza, estudante de 23 anos, diz que “por meio dos treinos, consigo controlar minha ansiedade e me deixa mais relaxado”. Juliano já treinava constantemente antes da quarentena, mas continuou a praticar exercícios físicos sozinho em casa, buscando manter o ritmo que tinha conseguido antes da quarentena. 

Cappelini também adotou uma frequência constante de atividades físicas, buscando se exercitar duas vezes por dia, seis dias por semana. Diz também que sente falta de lugares que possa correr ou práticas esportes variados, mas já adotou para si mesmo que continuará com o hábito de realizar atividades físicas em casa, mesmo após a liberação para circulação e uso das academias e quadras por São Paulo.

Juliano também passará a treinar em casa mesmo depois que a quarentena acabar, e sente falta não dos lugares em si para treinar, mas do convívio social e do contato com outras pessoas que treinavam junto com ele. 

Contudo, o treino em casa não é unanimidade. Marcella Jucá, estagiária de 19 anos, conta que realizava atividades físicas quatro vezes por semana, mas, devido a falta de equipamentos e espaço apropriado, passou a praticar uma ou duas vezes por semana, às vezes inclusive com a semana passando em branco. Marcella também conta que o exercício em casa não funciona tão bem como válvula de escape, como funciona para Victor e Juliano, segundo ela “às vezes [funciona] sim, para que eu consiga aliviar parte da ansiedade decorrente de ficar sempre em casa, mas às vezes também apenas o exercício físico sozinho não é capaz de me ajudar em relação a isso“. 

Marcella ainda complementa, dizendo que “nos dias que eu treino, me sinto mais disposta e um pouco mais cansada na hora de dormir, como se houvesse uma quebra na rotina de apenas ficar sentada”. Ela também não pretende buscar equipamentos adequados para o treino, principalmente pelo alto custo desses instrumentos, e diz que assim que se sentir segura novamente para sair às ruas, pretende voltar a praticar exercícios físicos na academia ou ao ar livre.  

Mas e quem precisa trabalhar com esportes?

A questão do esporte profissional, em todo o mundo, está em completo caos. Os calendários, que em muitas modalidades são muito apertados para obter a maior quantidade de conteúdo possível de seu produto, o que leva a uma confusão generalizada com a realização de muitas competições. 

Aqui no Brasil, o debate do jornalismo esportivo gira em torno da volta do futebol. O país talvez ainda não tenha atingido o pico da contaminação da doença, mas por motivações políticas, figuras importantes ligadas a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) defendem a volta do esporte. 

Entretanto, utilizando de exemplos internacionais, o futebol brasileiro não deveria estar pensando sobre isso. Enquanto países como a Alemanha e a Inglaterra conseguiram retomar suas atividades esportivas, por meio de testes e do controle da doença no país como um todo, o Brasil não consegue testar sua população, muito menos todos os jogadores que irão se arriscar em campo. 

Inclusive, a COVID-19 já realizou uma vítima notória entre os funcionários do esporte mais popular do país: Jorginho faleceu no início de Maio, era massagista e o funcionário mais antigo, 40 anos de casa, do Clube de Regatas Flamengo. Clube este que é um dos principais defensores da volta da realização do esporte no país, e que voltou a treinar às escondidas antes de outros clubes, mesmo sem a previsão de data de retorno de qualquer campeonato. 

Em outras modalidades, as conversas não tiveram tantas controvérsias e nem tantas polêmicas. Por exemplo, a Superliga de vôlei no Brasil foi cancelada ainda no começo da pandemia no país. O exemplo mais icônico do ano sobre isso é o adiamento das Olimpíadas para 2021. O evento nunca havia sido adiado, e só não ocorreu na data prevista apenas outras três vezes, nas quais a competição foi cancelada devido as duas Guerras Mundiais. 

Na Europa e no Brasil, o Handebol teve o mesmo destino das outras competições. Enquanto diversos campeonatos foram adiados ou tidos como terminados, no Brasil os atletas lutam, além do coronavírus, para se manterem em uma carreira no esporte profissional em alto rendimento, mesmo sem as instalações de treinos. 

Renato Sher é atleta de handebol do São Paulo, e diz que: “para fazer um treino de força ou hipertrofia, o principal empecilho è a falta de equipamento necessário. Geralmente em casa treinamos com o peso corporal, não que seja ruim, mas faz diferença  ter equipamentos onde pode elevar a sobrecarga”. 

No caso do handebol, alguns atletas, mesmo competindo profissionalmente, não vivem exclusivamente do esporte, muito por conta da falta de estrutura que o país oferece à modalidade. Renato, por exemplo, tem um emprego em paralelo com a atuação em quadra, e iria jogar o campeonato da Federação Paulista após dois anos sem atuar por um clube.   

Isso impacta sua motivação para se manter ativamente realizando exercícios físicos. Renato diz que: “eu sou atleta, só que não vivo disso, eu trato disso mais como um hobbie mesmo. E o que me mantém motivado é que eu estava parado há dois anos sem jogar profissionalmente e consegui fechar com o São Paulo esse ano. E estou bem ansioso para voltar a jogar a Federação, isso está me mantendo muito motivado, mesmo treinando em casa”.  

A realidade dos treinos mudou as expectativas de Renato para a temporada. “A minha expectativa no começo era chegar entre os quatro [primeiros colocados no Campeonato Paulista], acho que tínhamos totais condições, para ficar entre terceiro e quarto, se tivéssemos um ritmo de treino que não tivemos por causa da pandemia”. Renato também conta que, devido a realidade do time, de ser uma equipe formada por atletas mais velhos e que, assim como ele, passaram por um período sem competir, essa falta de treino pesará mais para seu time, afinal outras equipes já estabelecidas possuem cargas de treinos de temporadas passadas. 

Luana Corradine, técnica de alguns times universitários da mesma modalidade que Renato, acredita que manter o treino nesse cenário é uma tarefa muito difícil. Segundo a treinadora, as principais questões são a motivação e a “competição” que cada atleta tem com a nova rotina. Ela ainda acrescenta dizendo que “claro que no cenário pré pandemia esses pontos também existiam, mas os encontros semanais muitas vezes funcionavam como um refúgio da realidade de trabalho e do ambiente acadêmico e ocupavam o lugar de uma das atividades de rotina, mas com um prazer maior envolvido”. Para Luana, “agora a gente precisa conseguir vencer novos horários de trabalho, demandas acadêmicas às vezes inconsistentes e ainda tentar criar uma atmosfera motivante o suficiente para vencer as distrações de ficar em casa”. 

Vencer essa falta de motivação é o verdadeiro desafio de acordo com a treinadora. Segundo ela, para vencer essa barreira “é importante conseguir construir a motivação com os atletas em termos de modalidade (trazer temas relevantes e que os atletas possam colaborar na escolha dos pontos) e ter momentos de descontração, nos quais a gente possa se reunir só para se ver e suprir parte da nossa necessidade de vida social”.  

O atleta ainda conta que faz muita falta não treinar com os companheiros de equipe. Segundo ele, não ter contato com os companheiros de time é muito prejudicial, pois “além de taticamente ser ruim, a questão social de amizade faz falta”. Isso ele acredita que prejudique o nível das competições no retorno, segundo ele: “acredito que no começo sim [ o nível das competições será diferente], pois a falta da realização prática da modalidade faz com tenha uma queda no rendimento”

Segundo Renato, o que geralmente faz para se manter em forma é: “eu geralmente treino à noite. Três a quatro vezes por semana, faço força na academia que está aberta do prédio, ou pratico outra modalidade que dê para fazer durante a quarentena, como jogar tênis, ou dar uns arremessos de basquete na cesta”.

Para Luana, no âmbito das competições amadoras, a falta de atividades físicas e apenas o treino em casa irão prejudicar o rendimento apresentado pelos praticantes de esportes. Segundo ela, “o isolamento está nos colocando num período de ‘destreinamento’ que vai se refletir nas quadras, e o reajuste ao ambiente aberto pode vir a ser mais difícil também, uma vez que a vida em ambientes fechados está afetando algumas capacidades necessárias à prática esportiva, como a nossa visão periférica”.

Por Pedro Gabriel Castardo
peedrog98@usp.br